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Design para todos

 

 Se um objecto for desenhado para pessoas com limitações ou portadoras de deficiência será útil para todos os cidadãos. Porque as necessidades de uns são as necessidades de todos.

 

 Já pensou como seria se, quando fosse às compras, não visse ou não distinguisse as cores de uma camisola? Se andasse de cadeira de rodas e não pudesse jantar no seu restaurante preferido por não haver acesso apropriado? Ou se, com o avançar da idade, fosse votado ao isolamento? Infelizmente, essa é realidade de muitas pessoas portadoras de deficiência ou com necessidades especiais. Mas não tem de ser assim.

 Por essa razão, cada vez mais designers propõem soluções acessíveis e socialmente responsáveis. Actuam segundo os postulados do design inclusivo, que “materializa a ideia de que o design deve ser para todos, especialmente para aqueles que são portadores de algum tipo de deficiência”, explica Henrique Cayatte, presidente do Centro Português de Design (CPD). “Várias organizações e designers têm teorizado sobre um novo paradigma: se um objecto for pensado e produzido para portadores de deficiência, será certamente útil para todos os cidadãos”, diz. Para o presidente do CPD é urgente desmistificar a ideia de que o design é uma disciplina dedicada a outras minorias – as economicamente privilegiadas: “Design é projecto e acompanhamento de produção desse projecto, mas é também reflexão sobre a vida das pessoas e de como se pode melhorá-la”, explica.

 Em todas as propostas que apresenta, Henrique Cayatte procura respeitar os princípios básicos do design inclusivo. Uma das criações que melhor reflectiu esse objectivo foi a concepção, em parceria com o arquitecto Pierluigi Cerri, do sistema de sinalética e comunicação da EXPO 98. Com recurso à investigação que estava então a ser desenvolvida na Suécia, a dupla de profissionais disponibilizou um sistema fixo e portátil para cegos, em plástico injectado a partir dos desenhos técnicos, que completava o Braille.

 

Espírito contagiante

 Henrique Cayatte é um entusiasta do design inclusivo e encara-o como espécie de “missão” de todos os profissionais. Mas não é o único. No centro do país, na Covilhã, Madalena Sena provou que design de moda não se traduz apenas em desfiles de roupas mais ou menos excêntricas. Em 2007, quando frequentava o primeiro ano de mestrado em Design de Moda, foi confrontada com um desafio tão aliciante quanto difícil: criar um produto que não existisse no mercado. E encontrou na então recente experiência da maternidade a inspiração necessária para superá-lo.  “Nos dias que se seguem ao nascimento do bebé as mulheres estão cansadas e debilitadas, mas passam muito tempo a vestir os filhos e a prepará-los para novas intervenções das enfermeiras, entre banhos, mudanças de fraldas e vacinas.  Pensei que deveria existir um fato completo que substituísse a roupa que o bebé tem de vestir”, conta. Assim surgiu o “Kokoon First Day Kid”, nome que a designer deu ao protótipo de babygrow com todas as aberturas necessárias nos braços e pés para que o bebé não tenha de ser despido de cada vez que leva uma vacina. O protótipo já foi testado no Centro Hospitalar da Cova da Beira, na Covilhã, e na Maternidade Bissaya Barreto, em Coimbra, e aprovado por médicos e enfermeiros.

 A boa receptividade levou Madalena Sena a intervir no quotidiano de outros grupos sociais. No ano seguinte, quando realizou a tese de mestrado, centrou-se nas cores das roupas. “As pessoas invisuais, como todas as outras, gostam de estar bem vestidas e de ter boa apresentação”. A observação do quotidiano despertou-lhe uma ideia: “Nas lojas existem muitas peças iguais, em cores diferentes, mas por vezes a iluminação não é a melhor para as reconhecermos e combinarmos. Se eu visse mal ou fosse cega teria ainda mais dificuldade em vestir-me adequadamente”, pensou. Então Madalena Sena criou uma etiqueta em Braille que descreve as cores de cada peça. “Desta forma uma pessoa cega não precisa de decorar todas as cores das roupas que tem no armário e já não combina tons que não ficam bem. Muitos invisuais nem sequer vão às compras porque não gostam de incomodar os outros. Se esta etiqueta existisse eles teriam mais autonomia”. Apesar de alguns contactos de empresas, a designer ainda aguarda a compra das duas patentes, entretanto registadas.

 

Cores em letras

 

 Mais a norte, também o designer Miguel Neiva se preocupa com as tonalidades das roupas. Responsável pelo atelier Miguel Neiva e Associados, no Porto[AC5] , e professor no mestrado de Comunicação de Moda, na Universidade do Minho, criou em 2000 a etiqueta ColorADD. Com descrição das cores numa etiqueta, os daltónicos sabem exactamente que tonalidades estão a vestir, o que facilita o processo diário de conjugar peças. O projecto também surgiu enquanto fazia a tese de mestrado com o objectivo de criar algo útil para uma minoria. Miguel Neiva recuou no tempo e recordou-se de um colega daltónico que costumava aparecer na escola com uma meia de cada cor.

 Durante a fase de investigação o designer deparou-se com obstáculos, como a inexistência de dados sobre pessoas daltónicas. Com a ajuda de amigos, criou uma plataforma com vários voluntários daltónicos que lhe responderam a questões relacionadas com a sua limitação e a forma como geriam individual e socialmente as principais dificuldades do dia-a-dia. “Os resultados foram de tal modo assertivos que reforçaram a necessidade de conceber um código para daltónicos que permitisse a identificação de cores”, diz. E acrescenta: “A ColorADD ajuda não só os daltónicos, mas os cidadãos em geral”. Afinal, quem nunca teve dúvidas acerca da verdadeira cor de algumas das suas peças de roupa?

 

Força colectiva

 

 O envelhecimento da população conduz, frequentemente, a situações de isolamento e exclusão social. Também nesta área o design inclusivo propõe soluções. É o caso do projecto “Action for Age”, iniciado no Reino Unido pela Royal Society for the Encouragment of Arts, Manufactures & Commerce (RSA), instituição com mais de 250 anos que procura o desenvolvimento social através do progresso intelectual. A iniciativa chegou a Portugal em 2008: a RSA lançou o repto à Fundação Calouste Gulbenkian, que convidou a experimentadesign a associar-se à causa. Hoje, contam também com o apoio da Santa Casa da Misericórdia. Através da plataforma Design Response, destinada ao desenvolvimento de projectos sociais, a experimentadesign lançou um laboratório criativo que opera simultaneamente em Londres e Lisboa, envolvendo alunos de design e jovens designers.

 Um dos objectivos é valorizar o capital humano que até agora tem sido desaproveitado: “Os idosos devem ser encarados como pessoas com interesses e expectativas semelhantes às da restante população, uma vez que também eles se apaixonam, viajam, têm hábitos culturais e consumistas”, afirma Pedro Rocha Vieira, coordenador da Design Response. Dos 22 estabelecimentos de ensino superior de todo o país, cerca de 400 alunos e 38 professores participantes, foram seleccionados 12 projectos vencedores, anunciados em Fevereiro deste ano. O objectivo proposto era estabelecer relações inter-geracionais genuínas e espontâneas. “Isso significa muito mais do que colocar um grupo de idosos e crianças na mesma sala. É preciso que estas pessoas tenham algo em comum para que se desenvolvam laços e sentimentos”, explica. O desafio passa por criar serviços, produtos, campanhas, redes, serviços ou iniciativas que constituam mais-valias efectivas e potenciem melhoria da qualidade de vida dos utilizadores. Por um mundo mais justo, igualitário e inclusivo.

 

Os princípios do design inclusivo


 1.Uso equitativo
 2.Flexibilidade
 3.Uso intuitivo e simplificado
 4.Informação perceptível
 5.Tolerância a erros
 6.Mínimo esforço
 7.Tamanho e espaço para utilização e aproximação adequadas

 

(Fonte: Center of Universal Design, da Universidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos)

 

 

Ana Catarina Pereira

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