Universal Concreto
Ana Catarina Pereira
Sempre a andar
Nos últimos anos, as recomendações médicas têm ganho um maior número de adeptos fervorosos. De Norte a Sul, as cidades e vilas de todo o país são hoje calcorreadas por milhares de pessoas de todas as idades. Para além disso, numa época em que tanto se alerta para os perigos do aquecimento global, o acto de caminhar assume o estatuto de atitude ecologicamente consciente.
Para alguns, esta é a melhor alternativa aos horários, às máquinas e à mensalidade dos ginásios. Para outros, é uma forma de descontrair, esquecer os problemas do dia-a-dia e combater o stress acumulado. Mas há também os mais ecologistas, que preferem andar por respeito ao verde que os rodeia. Andar a pé é, por todas estas razões, uma prática simples, saudável, amiga do ambiente e da carteira do praticante.
Que o diga Luís Serras Lopes, 58 anos e engenheiro de profissão. Residente no Bairro de Telheiras, em Lisboa, prefere manter o carro na garagem e utilizar os transportes públicos para chegar ao emprego. O hábito já vem dos tempos da faculdade e é comum a milhares de lisboetas que vivem e trabalham na capital. No entanto, há cerca de dez anos que começou a sentir falta de um exercício físico regular, pelo que andar mais a pé. Foi começando aos poucos: meia hora por dia, entre a sua casa e o centro comercial Colombo. Ao fim de alguns meses já fazia uma hora diária de caminhada nocturna, logo a seguir ao jantar. Actualmente caminha entre 60 a 90 minutos diários.
O bem-estar psicológico
A decisão de Luís Serras Lopes não se prendeu unicamente com as habituais razões de saúde, apesar de reconhecer a melhoria da sua condição física: “Gosto de andar a pé para espairecer, faz-me bem ao sistema nervoso. Sinto que as preocupações do dia-a-dia e o stress são substancialmente reduzidos. Julgo que esta actividade melhora a minha saúde mental.” Para além do testemunho deste caminhante, os benefícios de andar a pé ao nível do bem-estar psicológico dos praticantes foram também comprovados por uma empresa de assessoria desportiva brasileira – MPR (Marcos Paulo Reis) – responsável por um estudo que enumera as 100 razões para caminhar. A primeira delas é precisamente a libertação de endorfinas, o que ajuda a combater o stress, a ansiedade e a depressão. Para além disso, segundo o mesmo estudo, caminhar melhora a auto-estima e o sentido de humor, controlando alguns instintos básicos de agressividade.
Para os assessores da MPR, entre as 100 vantagens de andar a pé encontram-se também a tonificação muscular (pernas, coxas e glúteos): em média, um caminhante gasta 200 a 300 calorias por hora, sendo que poderá atingir as 450 se o percurso for a subir. Caminhar melhora ainda a circulação sanguínea e o sistema imunitário, auxilia na prevenção de varizes e no controle da pressão arterial e colesterol. Também ajuda a prevenir a osteoporose, diminui os riscos de AVC (acidente vascular cerebral) a ajuda no controle e prevenção da diabetes. Segundo Fábio Rosa e Emerson Gomes, os autores do estudo, andar a pé melhora a postura e é o desporto ideal para quem tenha insónias ou dificuldades em deixar de fumar, para além de potenciar o contacto com a natureza - ao contrário dos meios de transporte com ar condicionado.
A observação dos espaços
Também para Henrieta Selcova existem múltiplas razões para andar a pé. Como arquitecta, a observação dos edifícios e do planeamento urbanístico de Lisboa é uma delas: “as ruas têm uma ‘vida própria’ em todas as cidades, e eu gosto de observar isso”, comenta. Há dois anos, quando trocou a Eslováquia pela capital portuguesa, pensava utilizar o sistema de transportes públicos com maior regularidade, mas rapidamente chegou à conclusão que seria mais fácil e rápido realizar quase todos os seus percursos diários a pé. A respeito da rede transportes públicos lisboeta, a arquitecta tece alguns comentários: “Já me habituei a eles. Penso que o sistema de contagem dos minutos que faltam para a chegada do próximo autocarro é bastante importante, e é pena que não exista em todas as paragens. Acho que a rede tem vindo a melhorar nos últimos tempos. Neste sentido, um passo importante foi a implementação de transportes gratuitos às sextas-feiras e sábados à noite.”
Como se encontra a residir e a trabalhar no centro da cidade, Henrieta Selcova optou também por não comprar um carro próprio. Somando todas as pequenas distâncias que percorre entre a casa, o local de trabalho e os locais de lazer que frequenta, caminha uma média de dois a três quilómetros diários, o que lhe permitiu dispensar-se a si própria de frequentar um ginásio. Apesar de andar a pé por motivos práticos que se prendem com a flexibilidade e a rapidez de movimentos, considera-se feliz por estar também a fazer algo de positivo pelo meio ambiente e pela sua própria saúde.
O seu testemunho levanta-nos, no entanto, algumas questões: será a soma dos pequenos percursos que se vão realizando ao longo do dia suficiente para combater o sedentarismo? Qual a distância mínima que deverá ser percorrida? A que velocidade? Manuel Carregeta, presidente da Fundação Portuguesa de Cardiologia, responde a todas as dúvidas. Lembrando que a actividade física deve ser diária, o especialista defende que os caminhantes se devem deslocar a uma velocidade mínima de cinco a seis quilómetros/hora durante 30 a 60 minutos, não tendo estes que ser obrigatoriamente seguidos: “Podem ser divididos ao longo do dia, em períodos de 10 a 15 minutos. Em geral, considera-se que um esforço, para ter propriedades cardioprotectoras, deve ser, pelo menos, de 10 minutos seguidos.”
Para os futuros caminhantes que já não pratiquem exercício há vários meses ou anos, o cardiologista recomenda que o treino seja iniciado com pequenos esforços, que deverão ser progressivamente aumentados até se atingir um mínimo diário de 30 minutos. Para além disso, no caso de homens com mais de 40 anos e mulheres com mais de 50, os sedentários deverão realizar uma consulta médica, com prova de esforço incluída. Esta recomendação, sublinha o especialista, é particularmente relevante no caso de doentes com problemas cardiovasculares (ou antecedentes na família), hipertensão arterial, colesterol elevado, fumadores, obesos e diabéticos.
Andar a pé ou correr?
Para quem faz caminhadas com alguma frequência, há sempre uma tendência para acelerar e passar à corrida. Segundo Manuel Carrageta, existem várias razões para se considerar que andar a pé é o método de locomoção mais natural do ser humano: “Correr faz sentido numa perspectiva de sobrevivência, de fuga ou luta para enfrentar o perigo. Por exemplo, quando o leão corre por uma refeição de sobrevivência e o antílope pela sua vida, a caçada é de curta duração, não mais do que alguns minutos, como se pode ver nos documentários televisivos. Ou seja, mesmo os animais de quatro patas, anatomicamente melhor dotados para a corrida, não correm longas distâncias seguidas.” Por sua vez, nos corredores humanos, bípedes, as articulações dos membros inferiores sofrem traumatismos microscópicos devido ao impacto repetido em cada passada. Para o cardiologista, o sistema locomotor humano está preparado para longas marchas mas apenas para corridas curtas e rápidas: “Penso que correr, a partir dos 40 anos de idade, não é aconselhado para a maioria dos adultos. Andar a pé, em passo rápido, deve ser o exercício aeróbio de eleição.”
O contacto com a natureza
A juntar aos benefícios em termos de saúde (física e mental) de cada um, andar a pé tem ainda outras vantagens. Para Nuno Sarmento, investigador e membro da direcção da Liga para a Protecção da Natureza (LPN), andar a pé é uma manifestação de respeito pelo mundo que o rodeia: “Ao andar a pé evitamos o ruído, a poluição visual e sonora e as emissões de gases de efeito de estufa. Nos centros urbanos evita-se a necessidade de infra-estruturas, como as estradas, os estacionamentos e os postos de abastecimento. Para além disso, a perturbação para a natureza e o ambiente é muito menor, e há toda a questão da sensibilização das pessoas – tipicamente, quem começa a andar a pé fica muito mais sensível para todos os problemas derivados do excesso do uso do automóvel nas cidades, e mais reivindicativo para a questão das infra-estruturas de apoio aos peões e ciclistas.”
Nos dias que correm, Nuno Sarmento lamenta o egoísmo das pessoas que se recusam a andar a pé e a utilizar transportes públicos, fazendo desta a “civilização do automóvel”. Movido pelo seu espírito militante, o ecologista desafia os cidadãos, sobretudo os que vivem em áreas urbanas, a aproveitarem a rede de comboio e metro. Para distâncias curtas (ou que se encontrem dentro dos limites físicos de cada um), considera que o melhor mesmo é caminhar, dentro ou fora da cidade. Isto porque, durante a semana, o investigador e ecologista veste a pele de um acérrimo defensor dos transportes públicos, enquanto ao fim-de-semana não dispensa as caminhadas pelos inúmeros percursos pedestres que a própria LPN tem vindo a traçar por todo o país: “É a melhor forma de se conhecer um dado local - o ritmo é mais lento, encontra-se e cumprimentam-se pessoas, conversa-se com os nossos companheiros de passeio e com os habitantes locais, sente-se os cheiros, os sons e o vento, sente-se o passar do dia, pára-se para observar a natureza, tacteá-la, senti-la... e é um descanso do ritmo frenético do dia-a-dia.” Um prazer da vida com inúmeros benefícios: para si e para os que o rodeiam.
Manter-se vivo
A que ritmo deve ser realizada uma caminhada? Manuel Carrageta enuncia uma fórmula fácil de cumprir: “A canção dos Bee Gees, Staying Alive, pode ajudar a definir a cadência ideal da marcha, sendo mesmo recomendada pela Fundação Americana de Cardiologia como o meio ideal para marcar o ritmo da caminhada.”
Para acompanhar o ritmo desta música são necessários 100 passos por minuto, o que dá 3000 em meia hora e um percurso com a extensão de cerca de três quilómetros a uma velocidade média aproximada de seis quilómetros/hora, o que satisfaz as necessidades mínimas de actividade física diária.
Manuel Carrageta, presidente da Fundação Portuguesa de Cardiologia, dá algumas sugestões práticas para que incorpore a actividade física na vida diária:
- Em vez de conduzir o automóvel, faça a pé os percursos mais pequenos;
- Suba e desça as escadas em vez de tomar o elevador;
- Desça do autocarro ou do metro uma estação antes do destino e complete o percurso a pé;
- Quando for às compras, estacione o carro num lugar distante do parque;
- Quando possível, vá almoçar ou jantar a pé;
- Faça um intervalo para exercício, em vez de um intervalo para café;
- Passeie com o seu cão;
- Se jogar golfe, ande a pé, em vez de utilizar o carrinho eléctrico;
- Faça passeios a pé com a família ou os amigos.
Ana Catarina Pereira