Universal Concreto
Ana Catarina Pereira
Dielmar:
tradição e modernidade, na Beira Interior
Quando, em 1965, quatro alfaiates se juntaram para formar uma sociedade, não pensavam certamente que aquele negócio iria sobreviver a inúmeras crises económicas e chegar à segunda década do século XXI como uma das empresas mais prósperas da Beira Interior. Actualmente, cerca de 400 funcionários, entre costureiras, alfaiates, designers e outros quadros, trabalham diariamente na manutenção de uma marca que soube actualizar-se, mantendo as tradições inaugurais.
O nascimento de uma marca
São centenas de máquinas a operar diariamente, orientadas pelo esforço e trabalho dos mais de 400 empregados da Dielmar. De pé e de olhos fixos nos tecidos, são sobretudo mulheres que cortam, cosem, verificam tamanhos, passam a ferro e ultimam pormenores no produto final de uma imensa linha de montagem. Ana Paula Rafael, administradora da empresa, conta-nos como tudo isto começou, há quase 50 anos atrás. Em 1965, quatro alfaiates reuniram os seus conhecimentos e construíram uma empresa que, desde o início, foi marcada pelas suas identidades, já que Dielmar resulta da junção das iniciais dos nomes Dias, Hélder, Mateus e Ramiro. Filha e sobrinha de dois dos fundadores da empresa, Ana Paula Rafael reconhece que o percurso feito desde então se deve essencialmente ao contributo das gentes locais a quem, desde cedo, era ensinado o ofício da costura, numa região que vivia da pastorícia e da confecção de vestuário: “Eu recordo-me, quando era pequena, de a maioria dos rapazes e raparigas terminar o horário de aulas e ir aprender esta arte, com as costureiras e os alfaiates aqui de Alcains. Isto está-nos um pouco no ADN. As pessoas aqui da região cresceram assim.”
Nos primeiros anos, a tradição laneira da Covilhã fornecia tecidos para todas as encomendas. No entanto, o encerramento sucessivo de inúmeras indústrias acabaria por ditar uma crescente necessidade de adaptação, acelerando o processo de internacionalização da empresa. Nos anos 80 a Dielmar importou assim os primeiros tecidos e aproximou-se definitivamente dos mercados produtores de têxteis: “Desde o início, fomos grandes consumidores do mercado alemão, por ser um grande produtor de máquinas de confecção. Ao mercado inglês e italiano fomos também buscar muitas das nossas matérias-primas. Esta aquisição acabou por ser forçada, a partir do momento em que o mercado nacional deixou de responder às nossas necessidades”, afirma Ana Paula Rafael, que arrisca também um diagnóstico generalista. “Hoje em dia, infelizmente, há muito poucas indústrias têxteis em Portugal. Não soubemos preservar aquilo que era possível preservar, apostando em algumas marcas fortes e consistentes. Quisemos salvar tudo, ajudar todos e o resultado está à vista”, conclui com pesar.
Com optimismo, considera no entanto que a confecção e a indústria de calçado portuguesas são dois sectores que apostam na extrema qualidade e que, por essa razão, devem ser valorizados e apoiados, o que nos leva a traçar o perfil de clientes desta empresa. Pela presença constante em programas de televisão, nomeadamente ao vestir pivots de telejornais, é com relativa facilidade que antecipamos a resposta de Ana Paula Rafael: homem, executivo, entre os 30 e os 50 anos, que segue as tendências actuais, com uma forte auto-estima e uma boa imagem. “Para todos os nossos clientes, a grande vantagem é a relação qualidade-preço. No caso específico dos clientes nacionais, penso que as novas gerações já ultrapassaram o estigma do fascínio pelo que vem de fora. Hoje em dia, o que é nacional tem muito mais valor”, afirma. Na sua opinião, a sensibilização que tem sido feita em torno do consumo de produtos nacionais tem dado bons resultados: “Os nossos clientes gostam de sentir que vestem um produto nacional, tendo uma expectativa e um orgulho diferentes relativamente àquilo que é nosso.”
Quatro linhas distintivas
Actualmente, dez lojas espalhadas de Norte a Sul do país - em Lisboa, Porto, Coimbra, Castelo Branco e Covilhã - comercializam directamente o vestuário Dielmar. Em qualquer uma, o cliente pode contratar o próprio serviço de alfaiataria, em mais um traço que distingue originalmente a marca beirã. Para Ana Paula Rafael, este serviço faz parte da própria génese da empresa: “Nós nascemos como alfaiates, e só depois aprendemos a industrializar-nos. A maioria das empresas fez o trajecto contrário, tendo começado pela industrialização e só agora reconhecendo que o serviço de alfaiataria está na moda e que, portanto, vale a pena explorar. Portanto, o nosso elemento distintivo acaba por ser aquele que nos distingue desde o primeiro dia.”
Por outro lado, a qualidade dos tecidos e da modelagem, associada a um design cuidado e contemporâneo seduz também um público cada vez mais heterogéneo, que pode optar por produtos de quatro linhas distintas: enquanto a “Dielmar Must” recorda os valores da marca, aliando moda, conforto, valorização dos detalhes e utilização de tecidos como seda, caxemira e pura lã, a “Classic” assume todas as linhas expectáveis de uma marca com a tradição e a História aqui representadas. Por último, a versão “Soft” assume-se como uma linha mais casual, funcional, simples e confortável, enquanto a “Cerimónia” foi criada para decorar os melhores momentos da vida dos seus clientes, associando brilho a arte e romantismo.
As principais dificuldades e vitórias
Quanto ao esforço de internacionalização, Ana Paula Rafael não esconde as dificuldades que enfrentam: “Estarmos situados no Interior profundo dificulta a nossa chegada até mesmo a Lisboa e ao Porto. Continuamos aqui porque as pessoas que trabalham connosco, diariamente, são as pessoas da nossa terra, que se identificam muito com a marca. Mas sabemos que temos distâncias muito grandes a vencer.” Referindo-se ao facto de os aeroportos nacionais se situarem, na sua totalidade, no Litoral, e ao agravamento anual das despesas de transporte de mercadorias, em virtude das portagens cobradas, a administradora da empresa relembra que o relativo isolamento em que se encontram dificulta ainda o contacto de comerciais estrangeiros: “Enquanto um comprador que se desloque a Lisboa ou ao Porto consegue agendar 10 visitas a empresas para poucos dias, aqui ele tem que despender um dia inteiro para visitar uma única empresa. É claro que tudo isto desencoraja muito as pessoas. Em termos de competitividade, todos estes custos acabam por pagar-se, o que nos vai complicando muito todo o processo de internacionalização.”
Apelando ao bom senso dos governantes que há muito parecem ter deixado de apostar nas regiões menos prósperas do seu país, Ana Paula Rafael afirma que a vantagem da Dielmar ter esta localização geográfica é exclusivamente regional: “A verdade é que nós damos trabalho a 400 pessoas e potenciamos o crescimento económico de Alcains. Gostávamos muito que esse aspecto fosse mais valorizado.” Ainda assim, se algumas opções governamentais não têm sido as mais favoráveis ao esforço que empreendem, a administradora reconhece que as parcerias com grandes empresas e instituições nacionais têm facilitado muito a criação de uma imagem forte junto do público a quem se dirigem. Actualmente, a marca desenha e concebe equipamentos e fardas para várias entidades desportivas, como a Federação Portuguesa de Futebol, o Sporting Clube de Portugal, o Futebol Clube do Porto, o Portugal Open, o Media Cup e o Expresso BPI Golf. A presença anual no Portugal Fashion e noutros desfiles conceituados a nível internacional (em Itália, no Reino Unido e nos EUA) tem também contribuído para a tarefa de divulgar o nome da Dielmar pelos quatro cantos do mundo. Uma marca que preserva a tradição e que, simultaneamente, se adapta à modernidade, de Alcains para o mundo.
De Alcains para o mundo
- 60% é o volume de exportação atingido actualmente pela empresa.
- Presente em mais de 30 países, que começaram por ser apenas Espanha e França, o vestuário Dielmar já é comercializado por quase toda a Europa (Reino Unido, Itália, Bélgica, Luxemburgo, Noruega), mas também fora do velho Continente, na Venezuela, Azerbeijão, Líbano, Marrocos, África-do-Sul, EUA, China, Rússia e Coreia-do-Sul.
- O plano de acção no mercado externo passa pela presença em conceituadas feiras de moda internacionais.
- Em termos de volume de facturação, a empresa já chegou a atingir os 16 milhões de euros, antes do agravamento da crise internacional e do decréscimo no volume de vendas internas. Estimam encerrar o ano de 2013 com um lucro de 14 a 15 milhões de euros.
- Comercialmente, procuram compensar a perda de negócios no mercado nacional, com a entrada em mercados estrangeiros, sobretudo fora do continente europeu. Em 2017 estimam atingir os 70% do volume de exportações, aumentando a facturação.
- Na actual conjuntura, procuram consolidar a marca e o produto que têm para oferecer, mas a hipótese de criação de colecções femininas continua a ser uma das suas metas prevista também para os próximos anos.
Ana Catarina Pereira