Universal Concreto
Ana Catarina Pereira
Bolsa de Valores Sociais
Investimentos solidários
Em Novembro do ano passado, Portugal foi o segundo país do mundo e o primeiro da Europa a criar uma Bolsa de Valores Sociais. O conceito foi desenvolvido no Brasil, em 2003, pelo consultor Celso Grecco e está a ser bem recebido dos dois lados do Atlântico. Em Portugal, em menos de seis meses, já foram distribuídos cerca de 90 mil euros pelas instituições cotadas. O objectivo é financiar projectos de luta contra a pobreza e a exclusão social, com a ajuda de todos aqueles que quiserem ser “accionistas”.
A construção de uma sociedade mais justa e igualitária pode ser realizada por todos os investidores sociais - é esta a designação atribuída a quem comprar um mínimo de 10 acções (10 euros) na Bolsa de Valores Sociais (BVS). O projecto foi criado no Brasil há sete anos e desde então já foi apresentado em várias partes do globo como um exemplo de responsabilidade social a seguir. Nas Nações Unidas, o ex-secretário geral Kofi Annan recomendou mesmo a exportação de um modelo tão aparentemente simples mas igualmente eficaz para todos os países do mundo.
Recuando no tempo, Celso Grecco conta-nos que começou por ser jornalista antes de ter formado a sua própria agência de comunicação. Dentro da mesma, desenvolvia os tradicionais planos ligados à assessoria de imprensa e ao marketing que uma agência deste tipo realiza. No entanto, a temática da responsabilidade social e ambiental começava a difundir-se e a ser apresentada como uma exigência aos grandes grupos económicos, pelo que Celso Grecco passou também a ser requisitado para traçar estratégias nesta área. O sucesso dos primeiros planos apresentados foi grande, o que viria a aumentar o volume de negócios de tal forma que o consultor decidiu abandonar as outras áreas e dedicar-se em exclusivo a uma temática que, simultaneamente, o fazia sentir-se mais útil. Criou então a Atitude, uma associação para o Desenvolvimento do Investimento Social, não governamental e sem fins lucrativos. Estávamos em 1999.
Quatro anos mais tarde, Celso Grecco foi contactado pela BOVESPA (Bolsa de Valores de São Paulo) para traçar um plano de responsabilidade social: “Este pedido surgiu num ano em que várias empresas discutiam o seu papel junto do terceiro sector e a importância da sustentabilidade”, afirma. Apesar disso, o consultor mantinha uma certa desconfiança relativamente à maioria das iniciativas desenvolvidas: “Uma crítica que faço, em geral, aos programas de responsabilidade social das empresas é que são muito periféricos ao negócio. Normalmente, as empresas estabelecem estratégias que não têm nada a ver com o ramo em que elas actuam.”
Posto isto, Celso Grecco adoptou uma postura pragmática. Dirigiu-se aos seus novos clientes e perguntou-lhes directamente: “O que é que vocês sabem fazer melhor?” À surpresa inicial seguiu-se uma explicação: “Vamos ver - vocês têm uma listagem de empresas cotadas e de investidores que olham para essas empresas como cumpridoras de critérios de transparência e de credibilidade. Caso contrário, não estariam cotadas em bolsa. Por outro lado, o sector social também precisa deste tipo de recursos.” O raciocínio foi aceite e o consultor pôde continuar: “A melhor estratégia para se cumprir um programa deste tipo é fazer aquilo que se sabe fazer melhor, por isso eu disse-lhes para criarem uma listagem de organizações sociais (em vez de empresas) que fossem, em seguida, ligadas a doadores.” Estes seriam, certamente, pessoas preocupadas em saber que destino seria atribuído ao seu dinheiro: numa época em que se organizam acções de solidariedade pelos mais diversos motivos é natural que a desconfiança aumente. Na opinião de Celso Grecco, este critério de transparência foi fundamental para o sucesso da BVS desde o seu início.
A ideia correu mundo em congressos da especialidade até que, em 2008, o consultor veio a uma conferência sobre empreendedorismo social, em Cascais. Nela estavam presentes representantes da Euronext Lisboa que o felicitaram pela iniciativa, lhe pediram detalhes sobre o mecanismo de funcionamento e custos implicados. Depois de um primeiro contacto, surgiram mais dois apoios de peso, disponíveis para fazer o projecto avançar em território nacional: a Fundação Calouste Gulbenkian e a Fundação EDP. Celso Grecco voltou várias vezes a Portugal para reunir com os três organismos e um ano depois, a 2 de Novembro de 2009, foi inaugurada a BVS portuguesa. Ainda assim, apesar da exportação do modelo, o consultor faz questão de trabalhar com especialistas portugueses: “Eu costumo brincar dizendo que a Bolsa de Valores Sociais não é uma novela brasileira passando em Portugal. Ela tem corpo e alma portugueses”, acrescenta.
Uma psicóloga, uma jurista, três jornalistas e dois técnicos de análise de candidaturas formam esta equipa coordenada pelo consultor. Os custos são suportados pelas três entidades em conjunto, pelo que a totalidade do valor investido pelos doadores reverte a favor da instituição que estes escolherem apoiar. Em troca poderão receber um recibo com o valor do donativo, dedutível nos impostos.
No seu funcionamento, a BVS conta ainda com o apoio de vários nomes sonantes entre os embaixadores da causa. Entre eles encontram-se personalidades do mundo empresarial, como Belmiro de Azevedo e Rui Nabeiro; da comunicação social, como Francisco Pinto Balsemão e Fernanda Freitas; da cultura, como os actores Eunice Muñoz e Ruy de Carvalho, entre muitos outros desportistas, gestores, académicos, economistas e banqueiros. A Menina dos Meus Olhos (associação lisbonense de apoio a idosos), a Fundação do Gil, a Operação Nariz Vermelho e a APPT21 (Associação Portuguesa de Trissomia 21) são algumas das instituições apoiadas. Desde Novembro até agora, a BVS já conseguiu angariar cerca de 90 mil euros para todas elas.
Para que as instituições sejam cotadas em bolsa, Celso Grecco afirma que o primeiro passo é dado pelas próprias, através do preenchimento de um formulário de candidatura. O principal critério de selecção, segundo o consultor, assenta no facto de a instituição não trabalhar as consequências dos problemas sociais, mas antes se centrar nas causas e no combate aos mesmos: “Por exemplo, uma organização que faça simplesmente distribuição de alimentos pelos sem-abrigo ou por pessoas carenciadas tem o seu mérito, evidentemente, mas não ataca a raiz da fome. Nós damos preferência a projectos socialmente inovadores, com metodologias diferentes de trabalho.”
O acompanhamento do capital investido, garante Celso Grecco, é também assegurado pela BVS: “As instituições que são cotadas na bolsa têm que estar sempre dispostas para nos dar esclarecimentos sobre o dinheiro atribuído. Os nossos contactos são semanais, durante um ou dois anos, e trimestrais nos anos seguintes, até que a instituição conclua o projecto para o qual nos pediu apoio.” Actualmente, com os resultados obtidos em Portugal, Celso Grecco espera expandir a iniciativa por outros países europeus. Os contactos têm sido feitos e, aparentemente, existem razões para o optimismo.
Ana Catarina Pereira