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Como superar um vício

 São poucas as pessoas que podem assumir: “não tenho nenhum vício”. Entre o café e o tabaco, o chocolate e outros doces há um universo de adeptos que não conseguem mesmo passar sem eles: se para uns é impossível deixar de fumar, outros há que bebem mais de seis cafés por dia para se manterem acordados. A juntar a estes, um sem número de pessoas não consegue fazer dieta por não conseguir resistir às montras das pastelarias, às noites sozinhos em casa a ver televisão ou a um gelado em dias de férias. No entanto, tudo parece ter um limite, e contenção é a palavra de ordem que os profissionais de saúde mais gostam de proferir. Café, doces, tabaco e outras dependências podem realmente ter um fim à vista. Nós fomos procurá-lo.

 

Chocolates, gelados e outras guloseimas

 Começámos por falar com Pedro Choy, especialista em medicina chinesa. Nas 17 clínicas espalhadas de Norte a Sul do país utiliza a acupunctura como forma de tratamento para vários tipos de dependência - drogas, álcool e tabaco, entre outras. Mas com a chegada do Verão, a maioria dos pacientes tem apenas um objectivo em mente: emagrecer!

 Desiluda-se no entanto quem sonha com uma técnica específica para abandonar a dependência do chocolate ou de outros doces. Segundo Pedro Choy, na medicina chinesa (e na ocidental) não existe nenhum tipo de dieta saudável exclusivamente orientada para gulosos. Apesar disso, considera que será mais fácil resistir a determinadas tentações com a ajuda da acupunctura porque, como defende, esta “realiza um trabalho muito forte a nível psicológico, estimulando pontos designados ‘Pontos do Guerreiro’, que aumentam a força de vontade da pessoa. Por outro lado, conseguimos diminuir a fome com outro ponto, também situado no pavilhão auricular.”

 Paralelamente, existem ainda pequenos truques para se conseguir deixar de “devorar” chocolates: não entrar na secção mais doce do supermercado, para não ter como os levar para casa, e não frequentar locais onde se possa ser confrontado com o obscuro objecto de desejo, como certos cafés e pastelarias. Para além disso, segundo o especialista, é importante trazer diariamente um pequeno lanche (uma peça de fruta, um iogurte ou uma fatia de pão integral) para comer em casos de emergência.

 O tratamento de emagrecimento praticado nestas clínicas traduz-se num regime alimentar adequado a cada caso específico. À dieta irão juntar-se sessões de acupunctura tradicional e acupunctura combinada com tecnologias modernas, como a electroestimulação. Por outro lado, é também utilizada a fitoterapia (um tratamento com plantas medicinais chinesas): “Nestas vertentes vamos atacar o excesso de peso por diferentes prismas. Ou seja, com a acupunctura electroestimulada trabalhamos contra as gorduras acumuladas em áreas específicas do corpo e com a acupunctura tradicional ajudamos ao processo natural de absorção dos alimentos da forma mais equilibrada possível. Por último, com a fitoterapia vamos preparar o organismo para expelir as gorduras e reabsorvê-las.” Na maioria dos casos, Pedro Choy garante que o paciente perde cerca de um quilo por semana.

 O preço do tratamento varia consoante o que for prescrito ao paciente. No entanto, o especialista adianta-nos que a primeira consulta custa 60 euros, o que inclui o primeiro tratamento de oferta. Os tratamentos de acupunctura tradicional custam 33 euros e os de acupunctura electroestimulada custam 65.

 

Os cigarros que matam

 Estima-se que 30 por cento da população europeia adulta seja fumadora e que, por essa razão, tenha uma menor qualidade de vida. Mas se é verdade que deixar de fumar requer aprendizagem, também é importante que se saiba em que consiste a dependência física do fumador. Foi por isso que fomos falar com Ana Nava, psiquiatra e grupanalista nas clínicas CUF e Tágide, em Lisboa. Segundo afirma, qualquer processo utilizado para deixar de fumar deve ter em conta não apenas os hábitos tabágicos dos fumadores, mas também a personalidade de cada um e a possibilidade sofrerem de uma patologia psiquiátrica.

 “Antes de mais, é preciso perceber que a nicotina não actua apenas ao nível dos órgãos e sistemas do corpo humano, mas também ao nível do sistema nervoso central”, afirma Ana Nava. Para além da acção cancerígena do tabaco, este vício interfere ainda com os aparelhos cardio-respiratório, digestivo, urinário, reprodutor, endócrino e locomotor, na medida em que actua ao nível do sistema nervoso simpático e parassimpático. Como sublinha a psiquiatra, está cientificamente comprovado que a nicotina melhora a atenção e a capacidade de aprendizagem, possibilita um menor tempo de reacção aos estímulos, uma maior capacidade de resolução dos problemas e uma melhoria do sentido de humor. Provoca ainda uma diminuição da tensão e dos sentimentos depressivos e é fisicamente relaxante: “Como se estas razões não bastassem para o fumador continuar a procurar efeitos tão agradáveis no próximo cigarro, a nicotina ainda vai activar um sistema neuronal, que pelo seu funcionamento intrínseco (através de mecanismos de feedback), provoca adição a esta substância.” Contas feitas, são necessárias grandes doses de motivação para deixar de fumar. Como agravante, reforça Ana Nava, não foi ainda descoberto nenhum método de ultrapassar o primeiro (e mais importante) passo do tratamento. Ou seja, o fumador tem realmente que querer deixar de fumar.

 O tratamento médico prescrito por Ana Nava para a cessação tabágica assenta em dois pilares: a diminuição dos sintomas físicos da abstinência e o controlo dos sintomas psíquicos da falta de nicotina. Segundo afirma, as pastilhas e os adesivos ajudam a fazer o desmame da nicotina e, deste modo, evitam os sintomas de abstinência. No entanto, os sintomas psíquicos exigem uma abordagem psicofarmacológica (que combina acompanhamento psicológico e medicação adequada) mais complexa. Neste aspecto, a especialista é a primeira a reconhecer que a sociedade actual é bastante exigente, tanto em termos pessoais como profissionais, o que dificulta a tentativa de abandono deste vício: “Nos dias que correm não é tolerada uma diminuição das nossas capacidades intelectuais, nomeadamente ao nível da atenção, concentração, raciocínio, capacidade de trabalhar intensivamente e de tomar decisões. Mas, como seria de esperar, a retirada brusca da nicotina vai levar a uma diminuição drástica de todas estas capacidades, associada a uma grande ansiedade. A soma dos dois factores não permite que as pessoas tenham o seu desempenho habitual. É por essa razão que, sem ajuda, vão acabar por ter uma recaída e voltar a fumar.” A componente psicofarmacológica irá actuar neste sentido. De acordo com Ana Nava, “a intenção é criar um ambiente neurobiológico com as qualidades activadoras e tranquilizantes da nicotina, mas sem os seus malefícios. Para isso, podemos utilizar fármacos anti-depressivos, mas de uma família específica (mais activadores), fármacos tranquilizantes e ainda fármacos activadores dos receptores de nicotina”.

 A intervenção psicoterapêutica, por sua vez, deverá ajudar os pacientes a iniciar uma vida com novos hábitos e a lidar com as suas angústias, “sem a bengala da nicotina”. Paralelamente, são também aconselhados vários princípios inerentes a uma vida saudável, como uma alimentação correcta e a prática de exercício físico o que, segundo a especialista, é normalmente bem recebido pelos pacientes: “à medida que o tratamento evolui, eles vão recuperando várias capacidades físicas que tinham perdido há muito, o que os deixa bastante satisfeitos.” Quanto ao tempo de tratamento, ele é variável consoante os casos, embora seja recomendado um mínimo de seis meses. Na clínica que dirige, as consultas de cessação tabágica têm o mesmo preço das consultas de psiquiatria (100 euros a primeira e 90 as seguintes), com uma periodicidade mensal ao longo dos seis meses.

 

O café em doses certas

 Manuel Carrageta, presidente da Fundação Portuguesa de Cardiologia, relativiza este vício, considerando-o o menos grave dos três: “O café, em doses moderadas, pode ter alguns benefícios para a saúde, sobretudo no que diz respeito à redução do risco de doença coronária ou mesmo de diabetes.” Mas existem limites, sendo que dois a três cafés por dia constituem a dose máxima recomendada. Nos casos de pessoas que se encontram totalmente dependentes da cafeína, e que tomam seis ou mais cafés para se manterem estimuladas ou acordadas, Manuel Carrageta considera que a mudança deve realizar-se ao nível do dia-a-dia de cada um: dormir mais horas e reduzir a carga horária de trabalho são imperativos a colocar na agenda.

 Apesar de não recomendar nenhum tipo de tratamento específico para a redução deste pequeno vício, que considera não ser prejudicial para a saúde, o cardiologista chama a atenção de que a cafeína, em algumas pessoas, produz um efeito significativo de subida da tensão arterial e da frequência cardíaca. Para além disso, o café expresso pode provocar uma subida do colesterol pelo que, a pessoas com colesterol elevado, apenas recomenda que consumam café de saco.

Por último, existem ainda outros elementos a ter em conta sobre este pequeno vício. Ao acto de tomar café estão normalmente associados comportamentos mais prejudiciais à saúde, relacionados com os dois vícios anteriormente referidos: as grandes doses de açúcar consumidas e uma imensa vontade de fumar. A este propósito, o presidente da Fundação Portuguesa de Cardiologia sublinha que o café deve ser tomado sem açúcar (ou em pequenas doses) e não deve, de todo, ser acompanhado por um ou mais cigarros. De resto, deve aproveitar-se o sabor e a sociabilização proporcionada por um bom café, sendo este um pequeno prazer que faz parte da vida.

A Notícias Magazine foi descobrir terapias e estratégias para eliminar estes três vícios. Para comprovar a eficácia de cada uma falámos com aqueles que conseguiram superar obstáculos aparentemente intransponíveis.

Testemunhos:

João Barros, 29 anos, gestor de projectos Web

 Eu cheguei a pesar 128 quilos! Dormia muito mal e sentia-me muito cansado. O primeiro passo que dei foi assumir que tinha excesso de peso e que isso me estava a provocar uma morte lenta. Já tinha experimentado algumas dietas mas, como não via grandes resultados, acabava por desanimar rapidamente. Quando soube do tratamento do Dr. Pedro Choi decidi experimentar. Comecei no dia 27 de Junho de 2009 e passadas 13 semanas já tinha perdido 24 quilos. Em Janeiro deste ano retomei o tratamento durante oito semanas e perdi mais 12 quilos. Antigamente vestia o 58 de calças e hoje visto o 42 ou 44. Media 129 centímetros de cintura e hoje não passo dos 90. O tratamento foi uma espécie de reeducação alimentar.  Eu tinha fobia de agulhas, mas reconheço que elas foram importantes para diminuir a ansiedade. Para quem está habituado a comer um bolo todas as manhãs e um chocolate antes de deitar é muito difícil passar a comer menos. Mas consegue-se! Hoje em dia sinto que tenho muito menos necessidade de comer. Digamos que como um doce, no máximo, duas ou três vezes por semana. E pratico exercício físico, para ajudar a manter os resultados.

 

João Carmona, 50 anos, director comercial

 Eu comecei a fumar aos 13 anos e parei aos 25. Nessa altura deixei de fumar durante três anos. Depois voltei, e fumei durante mais dez. Convenci-me que era perfeitamente capaz de deixar o vício assim “à bruta”, sozinho. De facto deixei, mas engordei 14 quilos e rebentei com o meu sistema nervoso. A família e os amigos foram os que mais se queixaram. Passados três anos, voltei novamente a fumar. Eu costumo dizer que o vício do tabaco nunca desaparece, só adormece: se o provocarmos com um pequeno cheirinho ele volta a acordar.

 Na última passagem de ano fiz uma daquelas resoluções de Ano Novo para deixar de fumar. Um dia, passei perto da clínica CUF, em Belém, e vi um cartaz a anunciar consultas anti-tabágicas. Decidi experimentar. Desta vez, não queria repetir os erros do passado e dar cabo da paciência das pessoas que me rodeavam. Entrei e disse à doutora Ana Nava que queria abandonar as 20 cigarrilhas que fumava diariamente. Ela certificou-se de que eu estava mesmo decidido a fazer o que fosse necessário e passou-me a receita de um comprimido anti-depressivo. Passados quinze dias voltei à consulta e a doutora receitou-me umas pastilhas. Na semana seguinte, deixei de fumar. Já passaram cinco meses. Acho que agora estou consciente de que já não preciso do tabaco para me sentir bem. Tenho quatro filhos e, infelizmente, uma delas fuma. Já a incentivei a ir a estas consultas, disse-lhe que pagaria tudo, mas ela não está disposta a dar o primeiro passo. Assim, é mesmo impossível. Temos que ser nós próprios a querer deixar de fumar. E temos que estar conscientes de que precisamos de ajuda.

 

Sara Sá, 27 anos, técnica de comunicação

 Eu tive várias fases de consumo de café. Mas no momento em que considero que era mais viciada cheguei a tomar 12 a 14 cafés por dia. Bebi essa dose durante cerca de noves meses seguidos. Depois, e porque tinha consciência de que isso não era saudável, fui-me forçando a diminuir a dose. Com excepção deste período mais problemático, continuei a tomar, durante vários anos, pelo menos, uns oito cafés por dia. Sempre gostei, e ainda gosto, muito do sabor do café. Ao pequeno-almoço, por exemplo, raramente tomava leite (ou se tomava eram umas gotas no café) e optava pelos cafés duplos. Mas acho que o hábito de tomar café estava normalmente associado a outros hábitos, como fumar ou, durante o período laboral, à pausa para um pequeno descanso e para aliviar ideias. O facto de não tomar café em determinados momentos do dia (quando chegava ao trabalho ou uma hora depois de ter começado a trabalhar) alterava o meu humor e a minha disposição. Sentia dores de cabeça…

 Eu sabia que o café em excesso tinha malefícios para a saúde, nomeadamente ao nível cardíaco, mas também ao nível estético (dentes, pele, celulite, etc.). Por isso, decidi reduzir as doses, até porque não me sentia bem comigo própria por depender assim tanto de café. Por outro lado, quando deixei de fumar, o hábito de tomar café deixou de ser tão regular … Hoje em dia bebo, em média, dois cafés por dia: ao pequeno-almoço e depois do almoço. Se bem que há muitos dias em que prescindo do café ao almoço e fico-me apenas pelo do pequeno-almoço.

prio texto. É fácil.

Ana Catarina Pereira

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