Universal Concreto
Ana Catarina Pereira
Internet Solidária
Num mês em que os olhos do mundo continuam virados para o Haiti há quem decida não ficar de braços cruzados perante as imagens e relatos diariamente transmitidos pelos meios de comunicação social. Mas nada de confusões ou expectativas furadas. Esta não é uma reportagem sobre casos de pessoas que mudaram as suas vidas para embarcar numa aventura de voluntariado do outro lado do mundo. Esta é uma reportagem sobre formas mais simples de prestar auxílio, ao alcance de um clique.
Ao contrário do que possa pensar-se, as redes sociais online não servem apenas para fazer novos amigos, amantes ou contactos profissionais. Muitas delas lançam verdadeiros apelos à solidariedade social e, com o eminente fascínio que exercem sobre a população em geral, parecem estar a ter uma grande receptividade. Actualmente, as redes sociais congregam 340 milhões de utilizadores no mundo inteiro, dos quais cerca de 42 milhões são europeus. Em Portugal, o grande boom começou com o Hi5, e continuou com o Facebook, o Twitter e o Myspace. A utilização é simples, mesmo para quem não trate as tecnologias por “tu”: basta abrir a página de uma das plataformas, publicar um perfil, carregar uma fotografia e criar uma lista de amigos - os convites seguem para todos os contactos de e-mail que o assinante autorizar.
Começou por ser uma rede para os estudantes da Universidade de Harvard, mas rapidamente se espalhou pelo mundo inteiro, tendo recentemente atingido os 100 mil utilizadores apenas em Portugal. O seu sucesso deve-se à facilidade de acesso aos conteúdos e a uma variedade de ferramentas que permitem carregar imagens, vídeos e aplicações que apenas podem ser usadas nesta plataforma. Entre os vários itens que oferece aos seus visitantes, encontra-se uma secção exclusivamente dedicada a causas solidárias que já angariou mais de 130 mil dólares (cerca de 90 mil euros) para apoiar as vítimas do terramoto do Haiti.
Nesta secção, várias instituições que se encontram a actuar no terreno deixaram o seu apelo, entre elas a Oxfam - confederação de 14 organizações humanitárias mundiais, com uma equipa de emergência em Port-au-Prince, capital do Haiti, que procura dar resposta a situações de saúde pública, água e saneamento, com o objectivo prioritário de evitar a propagação de doenças transmitidas pela água. O apelo é simples, não utilizando mais do que seis linhas que terminam com um slogan irresistível: “O povo de Port-au-Prince precisa do teu apoio.” Apenas na semana que se seguiu ao sismo, esta confederação angariou mais de 70 mil dólares (cerca de 50 mil euros), sendo a causa com maior volume de donativos do Facebook. Seguiram-se a organização Médicos Sem Fronteiras, a Fundação Prem Rawat e a Cruz Vermelha Internacional.
Albina Mendes foi uma das portuguesas que não resistiu ao apelo da Oxfam e que efectuou uma doação de 10 dólares. Aos 65 anos, e já reformada, aderiu ao Facebook há cerca de dois meses, com o objectivo de “fazer novos amigos e comunicar com outras pessoas”. Na sua opinião, a rapidez com que se inscreveu, bem como a facilidade com que pode ajudar quem precisa, são as mais-valias desta plataforma. Para além da causa do Haiti, Albina Mendes afirma já ter aderido a outras, lançadas por diferentes instituições, que pedem não apenas dinheiro, mas também alimentos, roupas e agasalhos. De cada vez que o faz, não só se sente mais útil, como tenta que os seus contactos a imitem. Um exemplo de solidariedade processado através da mesma plataforma que há alguns meses mobilizou milhares de utilizadores para encontrarem uma medula óssea para Marta, uma criança de cinco anos que sofria de leucemia.
Hi5 e Twitter
Também o Hi5 é das redes sociais mais populares entre os portugueses. Com um sistema diferente, em termos de auxílio humanitário, serve essencialmente para lançar apelos aos contactos que já se possuem. Da mesma forma que muitos dos aderentes à rede enviam convites para festas de aniversário, inaugurações ou simples saídas à noite, é também cada vez mais comum que se recebam mensagens de incentivo à solidariedade. A exposição é grande, já que as mensagens recebidas são deixadas online, à vista de todos os utilizadores, caso o receptor assim o decida. No passado mês de Outubro, Maria João Soares de Oliveira postava a seguinte mensagem: “Concerto de Solidariedade do Dia Mundial dos Cuidados Paliativos - DAR VOZ AOS QUE MAIS NECESSITAM, Tomar, dia 10 de Outubro às 21h com: Quinta do Bill, Filarmónica Fraude, Hyubris, Dyonysyo.com, Ginkgo Biloba e Coro Misto do Canto Firme. Bilhetes à venda no Cine-Teatro Paraíso. Mais informações em www.outonosdavida.pt”.
O Twitter, por sua vez, tem como ponto de partida a resposta à pergunta: “O que estás a fazer?” em apenas 146 caracteres. Através desta plataforma, também se podem partilhar links, notícias ou oportunidades de negócio e profissionais. Nas últimas semanas, a cada minuto, utilizadores do mundo inteiro e em várias línguas foram expressando o seu apoio às vítimas do terramoto, enquanto outros tentaram dar exemplos práticos. Um utilizador que responde pelo nick LuiCout afirma ter doado “100 mil reais para as vítimas do Haiti”.
Utilizado como ferramenta de auxílio por alguns meios de comunicação social, o Twitter é também um incentivo ao “repórter” que se encontra dentro de cada testemunha presente no local onde a notícia acontece. Muitas vezes, são os cidadãos anónimos que divulgam uma informação noticiosa, relatando fenómenos insólitos aos quais assistem. No caso do sismo do Haiti, vários sobreviventes foram deixando o seu testemunho dos momentos de horror por que passaram.
Inpakt
Em Portugal, foi também criada uma plataforma online que utiliza a Internet como meio de solidariedade: o Inpakt. Uma ideia original de Bernardo de Sousa Macedo, o auto-denominado empreendedor social, de 26 anos, que criou este projecto. Há cerca de três anos, trabalhava numa empresa de marketing e comunicação, explorando os processos de criação de comunidades online. Num fim-de-semana em que nada tinha para fazer, decidiu inscrever-se numa acção de voluntariado mas, para seu espanto, nunca chegou a ser contactado: “Voltei a ligar para a instituição, para perguntar se precisavam de voluntários, e respondam-me que sim. Então pensei que alguma coisa não estava a funcionar bem - a ponte entre mim, como potencial voluntário, e a instituição.”
Seria este o ponto de partida para Bernardo Macedo colocar “mãos à obra” na criação de um projecto que pudesse tapar as lacunas da selecção de voluntários. A plataforma começou a ganhar forma e a ocupar muito do seu tempo livre, pelo que decidiu sair da empresa onde trabalhava e dedicar-se a tempo inteiro ao novo desafio: “Depois de ler muitos livros de programação, aprender a programar e a desenhar bases de dados, a criar páginas de Internet dinâmicas e de me registar em redes sociais online para visualizar a sua forma de funcionamento genérico, lancei oficialmente o Inpakt.com em fase de testes, no dia 21 de Março de 2009.”
Actualmente, o site pode definir-se como uma comunidade direccionada para o nicho da responsabilidade social, que permite efectuar a ponte entre instituições de solidariedade sem fins lucrativos e potenciais voluntários, de forma gratuita para qualquer inscrito. O funcionamento, segundo Bernardo Macedo, é simples: “Um potencial voluntário inscreve uma conta no Inpakt.com e pode logo inserir a sua localização geográfica em cartografia digital. Depois de efectuar uma pesquisa na base de dados das instituições inscritas, pode imediatamente seleccionar um raio de acção. O potencial voluntário tem também acesso a um perfil público, onde pode colocar uma fotografia e algumas informações pessoais, para poder criar maior dinamismo na comunidade e para facilitar a partilha de informações colocadas no fórum.” Posteriormente, segue-se o processo de selecção, sendo que, neste projecto, os potenciais voluntários inscritos não são imediatamente contactados pelas instituições registadas: “Para não violar a privacidade das pessoas, serão apenas contactadas aquelas que pedirem para realizar uma acção de voluntariado numa determinada instituição de solidariedade.” Assim, o processo de escolha terá sempre que partir do voluntário que se inscreve, e nunca da instituição.
Até ao momento, é desta forma que o Inpakt.com funciona, mas Bernardo Macedo pretende ainda criar uma plataforma de anúncios online, para que parte das receitas publicitárias revertam a favor das instituições registadas. Apesar de reconhecer que o voluntariado se continua a realizar presencialmente, encontra-se a desenvolver outro projecto dentro desta plataforma, que consiste na possibilidade de inscrição de lares de idosos que tenham acesso à Internet e um computador com uma conta Skype (telefone via Web). Desta forma, os voluntários poderão conversar com idosos que se encontrem do outro lado do ecrã, dando-lhes um pouco de atenção e afecto: “Há uns anos, a Internet não era uma realidade como agora. Mas eu próprio, quando chegar aos 75 anos e estiver num lar, vou certamente usar computadores e continuar a comunicar através da Internet. Nessa altura, quem quiser falar comigo, para além de ajudar o ‘velhinho’ que serei, estará a prestar uma acção de voluntariado.”
A plataforma conta já com 3500 potenciais voluntários e 20 instituições inscritas. Paula Nogueira é uma das voluntárias, que já realizou algumas acções propostas. Sempre atenta a causas de solidariedade para que possa contribuir, teve conhecimento do Inpakt através de uma pesquisa no Google, colocando as palavras “responsabilidade social”. Não dominando totalmente as ferramentas tecnológicas de que os computadores actualmente dispõem, assegura que a inscrição é fácil de concretizar: “De contrário, não estaria inscrita (risos)!” Depois de ter sido recrutada por uma instituição, adorou a experiência e já contagiou alguns amigos e familiares que também se inscreveram: “Acho que a mais-valia deste projecto é beneficiar voluntários e instituições. A partir desta bolsa, o voluntário pode escolher a instituição para a qual quer trabalhar, sabendo desde logo o tipo de acções que a instituição precisa.” Para Paula, a Internet é também o futuro do voluntariado, comprovando a sua teoria com os exemplos da pequena Marta no Facebook (já anteriormente referida) e os próprios apelos que lança no seu blog Três Chávenas de Chá. Recentemente, divulgou uma campanha de angariação de roupa e agasalhos para a Comunidade Vida e Paz (instituição que, em Lisboa, distribui comida e roupa pelos sem-abrigo da cidade) que foi um sucesso. Aproveitar a exposição que uma ferramenta a que todos recorrem quase diariamente é assim o segredo destas causas. O lema poderia mesmo ser: “Um clique por um mundo melhor!”.
Ana Catarina Pereira