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A pressão dos 30

 

 Os 30 são uma fase de mudança e de decisões importantes. Quem passa por eles acusa a pressão.

Os sintomas são vários: um relógio biológico que marca a hora de ter filhos, as contas acumuladas que exigem um emprego estável, e os pais que lhes pedem licença para ficarem sozinhos em casa. Serão os 30 os novos 20? Ou a estabilidade que lhes exigem deixou de ser uma realidade possível?

 Nasceram num país onde a democracia era ainda uma criança. Tiveram melhores condições de vida na infância e adolescência do que todas gerações anteriores. Mas, chegados à idade adulta, viram a situação inverter-se. Passaram pelos estágios não remunerados, pelo desemprego, pelos recibos verdes e pelos contratos a termo. Adiaram relações, casamentos e filhos, nunca deixando de sonhar e de investir em si próprios. Provaram que de “rasca” tinham apenas o rótulo, e não o conteúdo.

A vida como um romance

 Amores, desamores, relações conjugais e extra dão o mote ao primeiro romance de Filipa Fonseca Silva. Com o sugestivo título “Os 30 – nada é como sonhámos”, recentemente publicado com a chancela Oficina do Livro, a obra relata, na primeira pessoa, as desventuras de um grupo de amigos trintões que se reencontra num jantar. De leitura fácil e ideal para uma tarde quente de Verão, o livro atribui ao leitor a simples tarefa de escolher a personagem com que mais se identifica.

 Em entrevista à Focus, a jovem escritora afirma que o tema do livro está relacionado com a sua sensação de que a maioria das pessoas chega a esta idade “um bocado perdida”: “Aos 20 imaginavam que, quando chegassem aqui, já estariam casados, com filhos, empregos estáveis, casa própria e férias nas Caraíbas. Mas, na verdade, a maioria dos trintões ainda não tem nada disto.” Olhando para a geração da qual faz parte, Filipa constata que dificilmente se consegue ter tudo: “Algumas pessoas têm uma carreira bem sucedida, mas não conseguem assentar. Outros, estão felizes na vida pessoal mas têm de trabalhar em algo de que não gostam. Outros ainda deixaram de se rever nos amigos que têm, por estes se terem tornado pessoas diferentes.”

 Na sua opinião, é lógico que esta desorientação suceda, uma vez que o período dos 20 foi preenchido com uma série de momentos importantes - o fim dos estudos, a entrada no mercado de trabalho e a saída de casa dos pais, entre outros. A chegada aos 30 representa assim um inevitável período de balanço: “Questionam-se escolhas, amadurecem-se decisões, consolidam-se valores. Por outro lado, a família ou os amigos começam a pressionar.”

 E esta parece ser uma tendência que tem vindo a agravar-se nos últimos 20 anos. A julgar pelas reacções e comentários que Filipa Fonseca Silva tem recebido por parte dos seus leitores mais velhos, as gerações anteriores também têm acusado esta pressão: “As primeiras perguntas que se fazem a um trintão são: ‘Então, já casaste?’, ‘Já tens filhos?’. Para a sociedade em geral, é quase chocante que um trintão ainda viva em casa dos pais. Mas, na realidade, é isso se passa com muita gente desta idade.” Na opinião da jovem escritora, o actual cenário de crise económica, associado a uma elevada taxa de desemprego, poderá ter como único efeito benéfico a diminuição da pressão dos 30. Face à alteração dos modelos de vida e do conceito de família, Filipa considera que os casos de maternidade adiada, mudanças no percurso profissional e permanência na casa dos pais serão cada vez mais comuns e, consequentemente, mais difíceis de estranhar: “Esta é uma idade em que ainda vamos a tempo de mudar quase tudo”, afirma.

 Pessoalmente, Filipa Fonseca Silva sublinha que este não é um romance auto-biográfico, uma vez que completar 30 anos representou, para si, uma “enorme felicidade”: “Eu adoro fazer anos. É sinal que estou cá, nesta extraordinária viagem. Espero chegar aos 90 e aprender a gostar de todas as idades.” Ao contrário dos personagens do seu romance, esta etapa não correspondeu a um período de reflexão existencialista ou a uma necessidade de mudança. Para esta licenciada em Comunicação Social, que desde cedo trocou o jornalismo pelo mundo da publicidade, a chegada a uma nova década tem trazido inúmeras surpresas e desafios muito positivos. Apesar disso, reconhece que a pressão para ter filhos tem vindo a agravar-se, sobretudo por parte da família e amigos: “Tenho 32 anos e sou casada há quatro. A maioria das pessoas que me conhece não consegue perceber porque é que ainda não tenho filhos. Que tal ‘porque ainda não quis?’ Será assim tão estranho?”

 Sem relógio biológico a dar horas, a escritora gosta de viver um dia de cada vez. Feliz no amor e na vida profissional, sente que se encontra na melhor década da vida de uma mulher: “Nunca me senti tão bem. Acho que esta é uma idade em que as mulheres finalmente aceitam ser como são, deixam de lado as inseguranças e deixam de ter paciência para aturar certas coisas…”

Tarde demais?

 Perspectiva menos relaxada é a de outra escritora da mesma geração que afirma categoricamente: “Ontem à noite só pensava que estava a viver os últimos minutos dos vinte, e que não havia volta a dar.” Foi assim que Ana Garcia Martins, a pipoca mais doce da blogoesfera nacional, começou uma das suas crónicas de Janeiro deste ano. Por muitos considerada a versão portuguesa de Carrie Bradshaw personagem principal da série “O Sexo e a Cidade”), Ana Garcia Martins assume ter sucumbido a uma certa nostalgia ao entrar na casa dos 30: “A verdade é que a última década passou a correr, tal como a anterior, e isso preocupa-me. Sou uma atormentada com a passagem do tempo, com a perenidade da vida. Cada vez mais sinto que me vai faltar tempo para tudo o que quero. Todos os livros, todas as viagens, todos os filmes. Deve ser por isso que já não consigo dormir tranquilamente até às duas da tarde. O cérebro desperta-me e obriga-me a saltar da cama, que o tempo urge e não pode ser passado a dormir.”

Contas feitas, estranhamos o pessimismo. Se não, vejamos: Ana Garcia Martins é a autora do blog mais lido do país, com cerca de 20 mil visitas diárias e já publicado em livro homónimo. Em 2009, foi também eleita “a mulher mais invejada do país” pelas espectadoras do programa Mundo das Mulheres, exibido no canal Sic Mulher. Recentemente, lançou uma colectânea de músicas que definem a sua personalidade (e o seu blog), tendo ainda vários projectos para concretizar a curto prazo. Assim sendo, não conseguimos deixar de estranhar o nervosismo com o passar do tempo, já que ele tem correspondido a tantas melhorias na sua vida pessoal e profissional. Para esta pipoca doce, o motivo para tal irritação prende-se com o facto de a chegada aos 30 implicar o fim de uma série de possibilidades: “Jamais poderei vir a ser uma ginasta de sucesso ou uma grande actriz. Jamais poderei vir a ganhar o Prémio Nobel da Física. Nada que me deixe particularmente triste, mas irrita-me que haja coisas que já não estão ao meu alcance, simplesmente porque a idade para as atingir ou começar a trabalhar seriamente nelas já lá vai!” Alguns meses passados sobre o dia de aniversário, a dificuldade em aceitar o número mantém-se: “Continuo a achar estranho dizer que tenho 30 anos, porque não me sinto como tal”.

 Crises existenciais à parte, nada fez mudar os hábitos de vida desta fashion victim. Para Ana Garcia Martins, a vida continua a sorrir-lhe no amor (depois de muitas desventuras e infortúnios pormenorizadamente relatados aos seus leitores), na soma de viagens com que vai timbrando o passaporte e na aquisição de sapatos aos quais já se viu obrigada a dedicar uma divisão inteira da sua casa. Em termos práticos, era fisicamente impossível colocar 250 pares num qualquer armário de quarto: “Sinceramente, continuo a sentir-me uma miúda. Mesmo fisicamente toda a gente fica muito admirada quando digo que tenho 30 anos, por isso não tracei planos para esta nova etapa, nem mudei nada”, afirma a autora.

 Recuando uma década no tempo, Ana afirma que, quando tinha 20 anos imaginava chegar a esta fase já casada, com filhos, casa própria e uma carreira muito bem remunerada. Em jeito de balanço, conclui: “Para já, só se confirma a parte de estar casada. Ainda não tenho filhos porque o relógio biológico não começou a tocar, e não acho que seja por já estar nos 30 que tenho de me obrigar a pensar nisso. Quando achar que é a altura certa, logo se vê.”

 

O difícil lugar ao sol

 Dedicar uma vida à escrita, como Filipa e Ana escolheram fazer, pode ser uma decisão arriscada em Portugal. Ainda assim, trata-se de um risco calculado, que exige muito mais inspiração e esforço psicológico do que um investimento significativo em termos económicos. Já no mundo da sétima arte, a situação é diferente. A frase “pai, quero ser realizador de cinema” ainda assusta muitos progenitores preocupados com o futuro dos filhos - quando não é responsável por noites de pesadelo e verdadeiros ataques de pânico. Sendo esta uma opção artística que pouco fica a dever ao glamour e às passadeiras vermelhas de Hollywood, poucos são aqueles que se arriscam a seguir uma carreira cinematográfica em terras lusitanas.

 Rodrigo Areias, realizador e produtor de 32 anos, é uma das excepções. Começou a trabalhar nesta área em 2001 e desde então já produziu e co-produziu mais de 30 curtas, longas, vídeos e documentários. Realizou ainda, entre outros, os filmes Tebas (longa-metragem) e Corrente (curta-metragem), com os quais participou em mais de cinquenta festivais internacionais que o multi-premiaram em diversas categorias, para além de outros trabalhos de video-arte e vídeo clips para nomes como The Legendary Tiger Man, Wray Gunn, D3o. Está neste momento em pós-produção da sua segunda longa-metragem e é responsável pela produção de cinema do projecto Guimarães 2012 - Capital Europeia da Cultura.

Com um curriculum impressionante para a sua idade, Rodrigo Areias está também habituado a superar obstáculos. Apesar disso, considera que as dificuldades enfrentadas são comuns a outras áreas culturais: “É complicado ser seja o que for neste país, principalmente em cultura. O problema do cinema é que é uma arte colectiva e extremamente dispendiosa. Em Portugal, não existe uma produção espontânea de filmes, apesar da grande democratização que o processo sofreu nos últimos anos.” O pré-requisito que se exige é assim, segundo o próprio, uma obstinação forte: “É necessário não dispersar. Na verdade eu concentro toda a minha vida a realizar e a produzir filmes.” E, garante, tem conseguido sobreviver com esta opção.

 Há 12 anos, quando completou 20, Rodrigo Areias já sonhava ser realizador. Concretizado o objectivo, enumera as principais diferenças face ao que havia ambicionado: “Nessa altura acreditava que, se trabalhasse bastante, poderia ter agora outra segurança. Hoje percebo que era muito ingénuo. Não me imaginava a fazer outra coisa, mas sempre acreditei que seria mais fácil. Dez anos depois, a conjuntura do país mudou, e para pior. Logo, é cada vez mais difícil continuar a filmar.” Ainda assim, e a respeito do tema central desta reportagem, o realizador considera que, para os artistas, de uma forma geral, a pressão começa antes dos 30: “Acho que a urgência de fazer algo se sente mais nesta idade, mas nos criadores esse sentimento começa mais cedo. A partir de uma certa altura da nossa vida, independentemente da forma artística que escolhemos para comunicar, essa vontade transforma-se mesmo numa pressão.”

 Na sua vida pessoal, ao contrário de Filipa Fonseca Silva e de Ana Garcia Martins, há um dos passos comuns na casa dos 30 a que Rodrigo Areias já cedeu: o da paternidade. Se a entrada nesta nova década não o assustou, as mudanças que lhe estiveram associadas foram as mais positivas: “Fui pai na mesma semana do meu aniversário. Essa foi a única mudança na minha vida, e para melhor. De resto, tinha acabado de fazer um filme (Corrente) de que me orgulho bastante e ganho vários prémios nacionais e internacionais com ele.” Somados todos os títulos, o realizador assume: “Na verdade, os meus objectivos têm sido alcançados, embora com muito maior dificuldade do que esperava. Acabei agora a minha segunda longa-metragem (Estrada de palha), que é também a segunda que faço sem financiamento.” Realista por natureza, reconhece que os próximos passos não se configuram fáceis: “Sei que terei de continuar a filmar desta forma, para não parar. O que me assusta nem sequer é filmar com dificuldade e sem dinheiro. O que me preocupa é chegar ao ponto de não poder filmar.”

Não desistindo face aos obstáculos que tem vindo a encontrar pelo caminho, Rodrigo Areias considera que o principal entrave à concretização de uma carreira cinematográfica em Portugal é o próprio mercado: “Os fracos hábitos culturais deste país não vão ser ultrapassados com imposições de quotas... Tudo começa na educação e na capacidade que temos de incutir valores fundamentais para o desenvolvimento do país. Quando os nossos próprios governantes não são capazes de perceber a importância que a cultura tem na construção de sociedades civilizadas, o nosso futuro fica comprometido.” Analisando a actual conjuntura, Rodrigo Areias lamenta o desaparecimento do Ministério da Cultura, bem como de outras entidades competentes: “Acabar com um ministério é sintomático da falta de respeito que existe em Portugal pela cultura. De qualquer forma, não me parece que as coisas vão ser muito diferentes do que têm sido até aqui.” Sem falsas esperanças ou críticas suavizantes, o realizador conclui: “Não termos uma estrutura financeira que permita criar, produzir e exportar de forma maciça a nossa cultura, faz com que sejamos desprovidos de memória - passada e futura.”

 A crise económica e de valores, juntamente com o stress laboral e a falta de estabilidade são assim uma equação cada vez mais difícil de realizar. Mas é ela que povoa os dias de uma geração – aquela que nasceu no pós-25 de Abril.

Ana Catarina Pereia

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