Universal Concreto
Ana Catarina Pereira
Intuição feminina
Sim, ela existe!
“Alguma coisa me diz que eu não devia fazer isto.” É uma frase comum e uma percepção que já assaltou muitos espíritos. Intuição ou sexto sentido são as designações normalmente utilizadas para descrever aquele pressentimento que surge repentinamente, mas que não se sabe de onde vem. É descrito como uma vozinha irritante, um conselho sabedor ou um eco interior. Fenómenos que nada têm de sobrenatural, uma vez que a própria ciência explica a razão desta característica ser normalmente atribuída às mulheres. Chama-se intuição feminina. E, pelos vistos, não costuma falhar.
A visão da ciência
Nelson Lima, neuropsicólogo e coordenador do Instituto da Inteligência, no Porto, afirma que o sexto sentido existe e que tem uma forma de agir diferente dos restantes cinco. A designação, essa, é que poderá não ser a mais correcta. No entender do especialista, trata-se de uma espécie de premonição, pelo que se assemelha mais a uma sensação do que propriamente a um sentido - a sensação de que algo está prestes ou pode vir a acontecer.
Para se compreender a sua existência, sublinha o especialista, “temos de nos lembrar que o cérebro é multifuncional e multifocal; ele processa informação recorrendo a diferentes fontes sendo que a maioria delas se situam em níveis não conscientes.” O sexto sentido será assim menos cognitivo, mais emocional e instintivo: “É um produto da evolução tão antigo como a espécie humana, e parece existir em outros mamíferos. Hoje em dia é estudado em laboratórios de várias universidades famosas.”
Constatada a sua presença em diferentes culturas e momentos da História da Humanidade, alguns cientistas defendem que a existência de um sexto sentido tem um carácter biológico (e não psicológico, como se julgava), que poderá estar relacionado com o instinto de sobrevivência: “Os seres humanos que viveram há 100 ou 500 mil anos encontravam-se em ambientes inóspitos e rodeados de perigos. Tiveram de desenvolver sentidos apurados, uma inteligência prática, imaginação criadora e uma memória eficiente (sobretudo espacial). Certamente que tudo isto concorreu para o apuramento da percepção dos sinais que se podem traduzir como ‘visões do futuro’ ou intuições sobre acontecimentos possíveis de ocorrer.” Na opinião do neuropsicólogo, esta constatação é mais do que suficiente para justificar investigações científicas que procurem desvendar o que ainda não passa de um mistério da biologia humana. Do ponto de vista da investigação, Nelson Lima sublinha que a ciência deu já um primeiro passo na análise do fenómeno, colocando hipóteses, efectuando especulações e realizando algum trabalho de laboratório.
A preponderância feminina
Cientificamente, está ainda provado que a existência de um sexto sentido (ou de uma intuição) é mais frequente no sexo feminino. A justificação para este fenómeno, segundo Nelson Lima, tem a ver com o facto de o cérebro das mulheres ter capacidade para processar e gerir simultaneamente diferentes informações e actividades, ao contrário do cérebro dos homens que trabalha a informação de forma mais sequencial e menos multifocal: “Costumo dar o exemplo das donas de casa que conseguem, ao fim do dia, gerir uma série de actividades domésticas, enquanto os maridos são menos activos. Não são capazes de realizar com eficácia mais do que uma ou duas tarefas de cada vez. Talvez este seja um produto da cultura machista que tem milhões de anos de história. No entanto, também sucede que as mulheres são mais intuitivas, vivem mais em estado de alerta em relação ao que as rodeia (talvez devido ao instinto maternal, quer sejam ou não mães) e isso facilita o desenvolvimento do sexto sentido.” Anos de experiência e de conhecimento científico acumulado levam assim Nelson Lima a escutar atentamente sempre que uma mulher lhe diz “estou com um pressentimento que…”. A sua razão é bastante pragmática: “Em 60 a 80 por cento dos casos elas acabam por ter razão. Não se consegue ainda demonstrar cientificamente porque isso ocorre, mas as estatísticas provam que é real.”
No entanto, apesar de ser uma característica mais desenvolvida pelas mulheres, não se trata de uma exclusividade deste sexo. Como sublinha o neuropsicólogo, os gestores e empresários que obtêm mais sucesso nas suas actividades são os mais intuitivos, e não aqueles que se regem apenas por dados e informações objectivas. A ambos os sexos, o especialista deixa um alerta: “Quando se lida com o futuro - como no caso do planeamento e definição de estratégias - é aconselhável dar ouvidos ao sexto sentido, aos pressentimentos, às premonições, às emoções e aos instintos.” Para tal, revela algumas técnicas que podem ajudar a cultivar a intuição: “É importante deixar o pensamento libertar-se de rotinas e esquemas montados por uma educação muito formatada, tolerar as ambiguidades, exercitar a arte das possibilidades em aberto (o futuro é indeterminado e todos os planos podem estar errados), dar atenção ao que surge do inconsciente (insights), libertar a intuição e acreditar que o mundo não é uma construção acabada mas um processo em constante transformação.”
www.institutodainteligencia.net
O estudo da consciência
Em Portugal, também a Academia Internacional da Consciência, uma instituição sem fins lucrativos, se dedica ao estudo dos fenómenos psíquicos, realizando pesquisas experimentais sobre a consciência, a alma e a essência humana. Estão espalhados pelos cinco continentes, desde a Austrália aos EUA, passando por vários países europeus e América Latina. Em Portugal têm centros em Lisboa, Porto e Évora. À Focus falaram de um ponto de vista mais esotérico, uma vez que utilizam a designação “parapsiquismo” para se referirem ao sexto sentido. Presente em todas as pessoas, de forma mais ou menos desenvolvida e independentemente do género ou das crenças religiosas, definem-no como a capacidade de perceber a realidade que está para além dos sentidos físicos, mais próxima e interconectada com a realidade física.
A equipa do IAC defende assim que o sexto sentido pode ajudar na tomada de decisões e na captação de informações sobre pessoas, ambientes e ideias originais. Não significa, portanto, o mesmo que confiar na sorte, pelo que não poderá trazer quaisquer malefícios ou resultados destrutivos para a pessoa: “A sorte ou azar é uma questão de crença e o sexto sentido é uma habilidade a ser desenvolvida e aprimorada. Todo o tipo de ‘muleta’ substitui, muitas vezes, a falta de confiança que a maioria das pessoas vivencia quanto às próprias percepções bioenergéticas. O mais inteligente é desenvolver a vontade, disciplina e sentido crítico e buscar informação técnica correcta através do esclarecimento e não da superstição.”
Lissia Pinheiro, professora e psicóloga do centro de Lisboa, afirma que as ferramentas indicadas para pesquisar a consciência são a observação e a análise dos atributos da personalidade, pelo que não faz sentido estudar o sexto sentido de um ponto de vista científico: “Não podemos colocar a consciência num tubo de ensaio, anatomizá-la e estudá-la”. Assim, para um desenvolvimento da intuição, propõe antes que se pratiquem diversos tipos de técnicas, que passam pela exteriorização e absorção das energias de pessoas e ambientes e pela transmissão e recepção de pensamentos e sentimentos. Para treinar estes métodos, a Academia Internacional da Consciência vai oferecendo diversos cursos práticos, em vários pontos do país.
Testemunhos:
Cristina Pereira, 34 anos, engenheira de produção e gestão industrial
Acredito que todos temos um sexto sentido, que nos chama ou que nos impede. Um sentido irracional onde os outros cinco não têm influência, um sentido intuitivo. Por vezes, atrapalha-nos muito e chama-nos para a razão! No fundo, é o queremos que não aconteça: um instante em que gostaríamos de ordenar que o mundo parasse!
Nós, mulheres, somos seres mais sentimentais e mais emotivos do que os homens. De certa forma, esse sexto sentido está mais relacionado com sentimentos, com o que está ou não correcto. Raramente ouvimos um homem dizer “mas eu não te tinha dito que isso ia acontecer?!”
Na maioria das vezes, apesar da intuição e dos pressentimentos, acabo por seguir pelo lado contrário! Muitas vezes corre mal, mas aí temos de olhar em frente e resolver a consequência de não ter seguido o sexto sentido! Eu não me considero uma pessoa pessimista, daí que se alguém mulher me disser “estou com um pressentimento que…” e se esse “que”, for algo de mau, algo que eu não goste, esqueço no mesmo minuto em que ouvi e não penso mais nisso. Até pode posteriormente acontecer, mas nunca relaciono isso com o que essa pessoa me disse. Se for qualquer coisa boa, confesso que sorrio no momento. Talvez haja como se nada fosse, mas fico à espera que o pressentimento seja verdadeiro. Muitas vezes somos nós próprios que, por acreditarmos muito nesse bom pressentimento, conduzimos as nossas vidas para que ele se concretize.
João Manuel Valentim, 62 anos, gerente bancário aposentado
Não acredito na existência de um sexto sentido. Acredito, sim, na intuição. Para mim, são coisas diferentes. A intuição é um sinal que o cérebro nos transmite para apontar o caminho a seguir ou a decisão a tomar. Por vezes temos flashes mentais que nos ajudam a tomar decisões; outras vezes passamos horas a tentar resolver um problema sem o conseguir e, de repente, sem estarmos a pensar no assunto (achamos nós), encontramos a solução.
Uma vez, quando estava em serviço militar em Moçambique, no regresso de uma coluna de reabastecimento de Mocímboa da Praia, ao avistar o nosso aquartelamento, pus-me em pé na viatura quando tive um pressentimento/intuição de que qualquer coisa poderia acontecer. Sentei-me de imediato e passados uns instantes sofremos uma emboscada. Ora, se eu tivesse continuado em pé teria sido um alvo para o inimigo e hoje poderia não estar aqui.
Pedro Leitão, 30 anos, Professor de Geografia
Normalmente, costumo associar o sexto sentido a perspicácia, intuição e capacidade de análise, e acho que qualquer pessoa pode desenvolver estas capacidades.
Em determinados assuntos, recorro à imaginação, à tentativa de compreender mais do que aquilo que é óbvio... penso que isso é intuição. Mas não sei se é possível dizer que o sexto sentido é mais frequente nas mulheres do que nos homens. Considero que tanto o homem como a mulher tem hipóteses de desenvolver as mesmas capacidades psíquicas e emocionais, se bem que as mulheres exteriorizam mais essa componente. Nós, homens, fomos culturalmente preparados para racionalizar, pensar... e dizer pouco. Penso que as mulheres, pela sua personalidade e temperamento, dão mais importância à intuição e são mais expressivas. Curiosamente, as decisões e mudanças mais importantes da minha vida aconteceram por actos repentinos e pouco reflectidos, contrariando o racionalismo que procuro ter no dia-a-dia. Mas, nesses momentos, não sei se é pressentimento ou apenas uma “luz” que surge do aparente caos de ideias.
Ana Catarina Pereira