Universal Concreto
Ana Catarina Pereira
As “Super-mães” do século XXI
Solteiras, divorciadas ou viúvas. Em Portugal, cerca de 290 mil mulheres assumem sozinhas o controlo na educação dos filhos.
O número de famílias monoparentais tem vindo a aumentar em Portugal. Nos últimos cinco anos, estas passaram de 280 mil para mais de 330 mil. Entre os homens a subida foi mais substancial: dos cerca de 35 mil pais que eram então os verdadeiros “chefes de família”, responsáveis únicos pelo cuidado dos filhos, passou-se, em 2009, para quase 44 mil.
O número de mulheres que educam os filhos praticamente sozinhas continua, no entanto, a ser bastante superior ao do sexo masculino. Em 2005 o número de mães monoparentais atingia já os 250 mil, mas os últimos censos de 2009 contabilizaram um total de 290 mil mulheres nesta situação. Com a proximidade do Dia da Mãe, a Focus foi falar com duas super-mães que apresentam as mesmas dúvidas e dificuldades.
Pais separados, valores diferenciados
“Não me posso queixar do facto de ter que cuidar da educação das minhas filhas sozinha, porque fui eu que quis o divórcio.” É assim que Alexandra Correia começa a sua entrevista à Focus, seguida de um “mas” que era fácil de antecipar: “É verdade que adorava ter um ombro amigo e uma pessoa com a qual pudesse partilhar todas as minhas dúvidas.”
Cabeleireira e mãe de duas filhas adolescentes, há cerca de três anos que Alexandra Correia tomou uma decisão que mudou para sempre o rumo das vidas de todos os elementos da família. Apesar do divórcio, afirma tentar fomentar uma ligação entre o ex-marido e as duas crianças: “Para mim, é muito importante que elas continuem a ter um pai presente. Nunca concordei com esta lei que atribui a custódia quase total às mães, e que só deixa os pais estarem com os filhos aos fins-de-semana, de 15 em 15 dias.” Ainda assim, e apesar dos esforços registados, é exactamente desta forma que as suas filhas estão com o pai. Para Alexandra Correia, é lamentável que a situação tenha evoluído neste sentido, como é também lamentável que a maioria dos homens que conhece, em caso de divórcio, se descarte das suas obrigações enquanto pai: “Hoje em dia, felizmente, a situação começa a mudar. Conheço alguns pais que estão tão presentes no crescimento e na vida dos seus filhos como as mães, mas não é esse o nosso caso.”
Para Alexandra Correia, o ex-marido não terá resistido à tentação de ser o “pai cool”, que dá presentes desnecessários e uma liberdade que considera desmesurada para a idade das filhas: “Ele ainda não percebeu que as filhas já começam a ter os primeiros namoros e a olhar para os rapazes de outra forma. Julga que elas ainda mantêm a inocência de quando eram crianças, e deixa-as sair sempre que elas pedem.” As consequências de uma educação ambivalente são, na opinião de Alexandra, bastante negativas: “Depois de um fim-de-semana ou de umas férias em casa do pai, as minhas filhas dizem sempre que as regras e os princípios que lhes tento passar são uma grande ‘seca’.” E, para ser mais clara, Alexandra exemplifica: “A mais velha pediu-me para ir acampar sozinha no Verão. Eu disse que não autorizava, mas o pai deixou.”
No dia-a-dia, as restrições maternas e as cedências paternas vão-se repetindo: “Comigo, elas têm horários e limites de tempo para quase tudo. Uma das coisas que eu faço questão é que elas desliguem o telemóvel às 23h30, o mais tardar. O pai não quer saber disto para nada. Nos dias que passam com ele, sou eu que tenho que ligar a dizer que desliguem o telemóvel e que vão dormir.”
Os preconceitos instituídos
Na opinião de Alexandra Correia, apesar das elevadas taxas de divórcio registadas em Portugal, ser mãe divorciada comporta ainda diversos estigmas na sociedade actual. Na escola, segundo afirma, os professores tendem a desculpabilizar os filhos de pais divorciados que se portam mal, por considerarem que estes não têm o devido acompanhamento familiar: “É uma desculpa fácil, para eles. Para evitar que isso acontecesse com as minhas filhas, elas foram seguidas por um psicólogo.” No final das consultas, o diagnóstico revelava que as crianças tinham sofrido com a situação, mas que não se encontravam traumatizadas: “Elas têm tido boas notas, e não quero que se sintam diferentes dos outros alunos pela separação vivida em casa.”
Em vez de perpetuar este tipo de preconceitos, a cabeleireira gostava que a sociedade em geral soubesse valorizar os sacrifícios pessoais das mulheres que se encontram na sua situação. Ser mãe divorciada, segundo afirma, é perder o egocentrismo e passar a colocar os filhos em primeiro lugar - a nível pessoal e económico: “Pode parecer fútil, o que eu vou dizer, mas nunca mais comprei uma peça de roupa para mim, sem ter comprado para elas antes.” Viver com um salário, em vez de dois, representa um grande sacrifício para a maioria destas mulheres, e Alexandra não é excepção: “Primeiro está sempre a alimentação, a educação e o vestuário delas. No final de tudo, se sobrar algum dinheiro, é que posso dar-me ao luxo de pensar em mim.”
A falta de um suporte familiar
A extrema dedicação parece ser assim a característica principal da figura materna, sobretudo no caso de esta criar os filhos sem o apoio da restante família. Como Alexandra Correia, também Filipa Fonseca é uma super-mãe do início do século XXI, disponível para cuidar dos filhos 24 horas por dia: “Se eles adoecem, sou eu que tenho que ficar em casa a cuidar deles. Se há um problema na escola, sou eu que tenho que ir falar com os professores…” E a somar a todas as tarefas da vida familiar, Filipa Fonseca, engenheira ambiental, junta uma intensa vida profissional que admite já ter sido prejudicada pela primeira. Na sua opinião, de uma forma geral, as mães divorciadas ou solteiras não são suficientemente compreendidas e apoiadas na realização das suas tarefas diárias: “Os homens libertam-se muito mais facilmente do fardo que representa educar os filhos. São quase sempre as mulheres a resolver todos os problemas, dúvidas e situações que vão surgindo.”
Mãe de duas crianças de 7 e 10 anos, Filipa Fonseca não lamenta o seu estado civil, mas antes a não divisão de tarefas entre o antigo casal: “Quando olho para alguns casais que se dão mal, como eu me dava no final do meu casamento, percebo que estou melhor assim.” Para a engenheira ambiental de 38 anos, o segredo do sucesso para um casal é que ambos os elementos se compreendam, não discutam constantemente e, sobretudo, que não se desautorizem frente aos filhos. Quando deixou de ter estas características no seu casamento soube exactamente qual seria o passo seguinte.
Calendário de tarefas
Actualmente, para lidar o melhor possível com as situações que vão surgindo no dia-a-dia, matriculou os filhos num Colégio Internacional, por confiar no trabalho dos professores que seguem de perto a educação de cada aluno: “Eles têm horários muito definidos. De manhã, levantam-se cedo, tomam o pequeno-almoço e vestem o uniforme do colégio, o que me facilita a escolha diária de roupas. Almoçam todos os dias na escola, saem às 17h30, quando eu os vou buscar, e duas vezes por semana têm actividades extra-curriculares.” Para Filipa Fonseca, a organização de cada minuto do seu dia é fundamental para poder gerir a sua vida privada e profissional. Neste sentido, considera que deveriam existir mais estruturas de actividades de tempos livres que auxiliem os pais nos períodos de férias: “Em Julho, eles vão sempre para o ATL e depois em Agosto estão comigo e com o pai. Eu não posso nunca tirar férias noutra altura do ano. Como também não posso sair à noite, porque eles ainda não têm idade para ficar sozinhos em casa.”
Correndo contra o tempo que diariamente insiste em passar a correr, Filipa Fonseca afirma que só há poucos meses se permitiu ter duas horas semanais inteiramente dedicadas a si, matriculando-se em aulas de hidroginástica: “Sei que vai ser difícil continuar a gerir tudo desta forma, mas preciso mesmo de começar a pensar em mim”, sublinha. Ainda assim, apesar do cansaço e das dificuldades, sabe que ser mãe é uma experiência única e intensamente feliz: “É muito bom vê-los crescer e desenvolverem determinadas capacidades. Às vezes começo a pensar no que farão quando forem mais crescidos. Acho que ser mãe é isso mesmo – preparar os nossos filhos para o futuro que se aproxima.”
Caixa: Entre 1990 e 2009 o número de portugueses divorciados triplicou
Neste período de 19 anos, o número de divórcios em Portugal aumentou a um ritmo anual de 6 por cento, de acordo com dados fornecidos pelo Instituto Nacional de Estatística. Paralelamente, o número de casamentos diminuiu, sobretudo a partir de 2000, cerca de 60 por cento.
Curiosidades sobre o Dia da Mãe:
Sabia que…?
- O Dia da Mãe teve origem no início do século XX, quando uma jovem norte-americana, Anna Jarvis, perdeu a mãe e entrou em depressão. Preocupadas com o seu sofrimento, algumas amigas tentaram perpetuar a memória da mãe de Annie realizando uma festa. Annie quis que a homenagem fosse estendida a todas as mães, vivas ou mortas. Em pouco tempo, a comemoração alastrou-se por todos os Estados Unidos e, em 1914, a data foi oficializada pelo presidente Woodrow Wilson: dia 9 de Maio.
- Na Grécia Antiga o dia da Mãe era celebrado na Primavera. Era evocavada Rhea, a mãe dos deuses, fazendo oferendas de bolos de mel, bebidas e flores, logo pela madrugada. Talvez seja este o início da tradição de levar o pequeno-almoço à cama no Dia da Mãe.
- Algumas tribos africanas, como os Assam, afirmam não ter famílias mas antes “maharis”, o que significa “maternidades”.
- Os nomes das famílias chinesas têm geralmente uma indicação (prefixo) relativa à maternidade. É uma maneira de homenagear as mães da família.
- A Família Imperial do Japão assinala os seus descendentes a partir de Omikami Amatersasu, a Mão do Mundo.
- As escrituras da religião hindu atribuem à Grande Mãe, Kali Ma, a invenção da escrita, através de alfabetos, pictogramas e imagens sagradas de grande beleza.
- A palavra grega “meter” e a palavra sânscrita “mantra” podem significar, ao mesmo tempo, “mãe” e “medida”.
- O dia da Mãe é actualmente celebrado em vários países do mundo. Os dias, contudo, diferem de país para país.
Quadros do INE que comprovam as estatísticas apresentadas e que podem ser usados na reportagem:
Ana Catarina Pereira