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Paz e amor no Baixo Alentejo

 São 160 os residentes de Tamera. Apostados em provar que o Alentejo é das regiões mais ricas da Europa, acreditam na sustentabilidade da comunidade que criaram há 16 anos. Defendem a paz, o respeito por todos as formas de vida e a ecologia. Pretendem criar um mundo melhor e praticam o “amor livre”.

 

Combater a desertificação do interior

 “Portugal tem condições para ser o país mais rico da Europa. E deveria sê-lo, se soubesse gerir todo o património natural de que dispõem.” A afirmação - provocadora em tempos de crise económica - é de Bernd Müller, engenheiro e residente em Tamera há cinco anos. Do seu percurso de vida revela-nos que nasceu e viveu na Alemanha até completar os estudos de engenharia geral e começar a pensar que nada daquilo que havia aprendido na faculdade tinha validade por mais de dez anos. Como sublinha, “as teorias elaboradas e os princípios físicos estudados deram-me poucas pistas sobre a melhor maneira de gerir os recursos naturais de que o planeta dispõe.”

 Descontente com a conclusão a que chegara, fez as malas e mudou-se para o Sul de Espanha, onde o sol e as praias o seduziram por mais de vinte anos. Aí trabalhou como designer paisagístico e em alguns projectos de agricultura biológica, até que o nascimento do segundo filho o fez relembrar todas as suas considerações sobre os sistemas de ensino tradicionais. De uma coisa Bernd e a companheira estavam certos: não queriam que os filhos frequentassem escolas regulares, com “curriculuns rígidos e inúteis”. Decidiram então partir para Tamera e oferecer-lhes uma forma alternativa de vida, sendo que, na sua opinião, esta continua a ser uma escolha acertada: “É assim que eu quero que os meus filhos sejam educados. Acho que é desta forma que todas as crianças do mundo deviam crescer – no respeito pelos outros seres humanos, pelos animais e pelas riquezas que a terra lhes dá.”

 Chegado a Tamera, este engenheiro foi confrontado com uma questão que preocupava os residentes: seria possível criar um sistema de agricultura biológica suficiente para alimentar uma comunidade de 300 pessoas? Apesar de Tamera ter 160 residentes fixos, existem muitos outros que passam aqui apenas uma parte do ano - como visitantes e participantes nas conferências e sessões organizadas. Olhando em volta, os terrenos alentejanos cada vez mais secos e desertificados elevaram o grau de ambição da proposta, mas o desafio foi aceite. Cinco anos passados, Bernd Müller é o responsável pelo desenvolvimento de um modelo de manuseamento natural da água para regeneração de paisagens secas e danificadas. Para o efeito, criou uma paisagem aquática semelhante a um lago artificial, que contém mais de dez reservatórios de retenção da água da chuva. O sistema permitiu, não apenas uma humidificação do solo, mas também uma regeneração de toda a floresta em volta. A forma do lago, as margens planas com vegetação densa, as diferentes profundidades e as linhas sinuosas favorecem, garante o responsável, o movimento da água e a sua capacidade de auto-limpeza. Para alguns especialistas que têm visitado o território esta pode ser uma receita viável para impedir a desertificação da região.

 Segundo defende Bernd Müller, a água da chuva tem de deixar de ser tratada como lixo e passar a ser manuseada como uma riqueza natural. Em termos práticos, sublinha que as diferenças entre uma paisagem aquática e uma barragem são estruturais: a água não é aqui desviada dos terrenos e armazenada num único ponto, mas mantida nas áreas, de forma descentralizada, de modo a que o corpo terrestre possa voltar a ficar saturado. Para o engenheiro, uma série de atentados contra o planeta têm vindo a ser cometidos nos últimos 50 anos, como as barragens e poços que absorvem a água de grandes áreas, enquanto os sistemas de canalizações e drenagens, clareiras e calhas betonadas roubam a água do solo. Na sua opinião, a seca da região alentejana não é uma catástrofe natural, mas o resultado de uma má exploração da terra que somou vários factores: manuseamento errado da água, desflorestação intensa, pastagem excessiva e aposta em regimes de monocultura.

 Afastando a hipótese de auto-subsistência da comunidade - por necessitarem de recursos vindos do exterior como alguns aparelhos tecnológicos, roupas e calçado - Bernd Müller considera que é perfeitamente possível que Tamera viva em harmonia com a região onde se integra, aproveitando as suas riquezas naturais e exportando o conhecimento produzido pelo centro de investigação. Para o especialista, o objectivo principal é formar outros agricultores e incentivá-los a criar o mesmo modelo nos terrenos do Sul da Europa e de alguns países africanos.

 

Energia solar desperdiçada

 

 Segundo os membros da comunidade de Tamera, para além da água, existem outras contradições no desaproveitamento dos recursos naturais do nosso país. Uma delas é o facto de Portugal ter um dos maiores índices de exposição solar e, ainda assim, ser o maior dependente de petróleo de toda a União Europeia. Na opinião do físico inglês Douglas Baillie, residente em Tamera há três anos, a aposta nas energias renováveis tornou-se um imperativo para combater esta dependência.

 Com visível orgulho, fala-nos do seu trabalho no Campo Experimental da Aldeia Solar: “Os sistemas que aqui implantamos são tão fáceis de construir que qualquer pessoa, com uma pequena formação ou workshop nesta área, é capaz de o fazer. Estas experiências podem ser concretizadas em África, nas aldeias mais carenciadas, mas também nas casas dos portugueses.” Numa das cozinhas de Tamera (são cinco no total), o sistema já se encontra implementado, permitindo que esta consuma apenas energia produzida pela Aldeia Solar, em vez de gás ou electricidade.

 No centro do Campo Experimental, inaugurado em Outubro de 2009, encontra-se uma bomba de água solar, que transforma as diferenças térmicas entre o calor do sol e a frescura da sombra em energia mecânica. Douglas Baillie garante que esta opção tem a vantagem de não registar as habituais perdas que acontecem na geração, transmissão e consumo de energia eléctrica, afirmando-se como uma alternativa para as bombas de água eléctricas nas áreas rurais. “Este tipo de estruturas”, considera, “deveria ser implementada em todas as regiões da Terra ricas em exposição solar, por gerarem postos de trabalho local e, simultaneamente, cobrirem as necessidades alimentares e energéticas da população.” Para Douglas Baillie esta seria também uma forma de evitar o despovoamento do interior, fazendo com que os portugueses voltassem a investir na vida no campo.

 Do Campo Experimental faz também parte uma estufa energética com lentes que focam a luz solar numa linha (em vez de um ponto energético) e que aquecem, a 220ºC, parte do óleo vegetal utilizado na comunidade para cozinhar. Na estufa cultivam-se alguns frutos e vegetais biológicos, como os que crescem nos restantes terrenos da comunidade, já que a alimentação de todos os residentes é exclusivamente vegetariana.

 Em Tamera existe ainda um auditório, ou Aula, onde se realizam grande parte das conferências e workshops organizadas pela comunidade. Esta é a maior construção em fardos de palha da Península Ibérica - uma técnica estudada na comunidade e exportada para outras eco-aldeias por todo o mundo. As paredes foram erguidas com 1500 fardos e rebocadas com uma camada de argila com cinco centímetros de espessura. O telhado, coberto de relva, ajuda à manutenção de uma temperatura amena no auditório.

 Na Aldeia da Luz, que faz parte dos 134 hectares pelos quais se estende a comunidade, foram construídas a Casa das Artes, uma oficina para a transformação de ervas medicinais e um atelier de costura, onde são cosidas e remendadas todas as roupas dos membros da comunidade. A maioria dos residentes continua, no entanto, a dormir em tendas e roulottes aqui estacionadas.

 

O dia-a-dia em Tamera

 Numa comunidade onde não circula dinheiro e todos se vão servindo dos bens que necessitam reina um espírito difícil de conciliar com a “vida real em sociedade”. Dormindo em tendas improvisadas ou em roulottes estacionadas, estes novos hippies buscam o mesmo ideal há 16 anos. Algumas destas crianças já nasceram aqui. Sem acesso a um sistema de ensino regularizado, pode no entanto perguntar-se se terão, no futuro, uma alternativa a esta forma de vida.

 Para além da alimentação vegetariana, os membros da comunidade têm outras rotinas quotidianas, nas quais se inclui o despertar matutino às 6h30, seguido de uma oração conjunta no Círculo de Pedras, situado no cimo de um monte. Nestes momentos, os residentes afirmam entrar em contacto com “as forças do universo e da natureza”, desejando a paz no mundo e o respeito por todas as formas de vida. Apesar de não existir uma religião oficial em Tamera, a espiritualidade e o misticismo parecem estar presentes através da liberdade de culto (conhecemos cristãos, judeus e muçulmanos), sendo que alguns elementos reclamam mesmo ter poderes paranormais de leitura de aura e de comunicação com os animais.  De uma forma geral, são também estes os valores que tentam transmitir às crianças que aqui residem, através de um sistema de ensino individualizado e alternativo.

 Na comunidade, Jana Elger e Rico Portilho são os dois responsáveis pelo “Espaço das Crianças” – a escola onde 31 crianças entre os 6 e os 18 anos de idade aprendem as disciplinas básicas, como matemática, línguas e ciências naturais, música, artes visuais e teatro. Numa fase mais avançada, os professores afirmam investir na formação em “profissões para a paz e na implementação de um Movimento Mundial por uma Terra livre”. Aí, as possibilidades de ensino variam entre a aprendizagem da música, teatro, protecção de animais, design gráfico, tecnologias de informação, tecnologias sustentáveis, trabalho político em rede, mecânica, carpintaria e permacultura (um método holístico para planear, actualizar e manter sistemas de escala humana – como jardins, vilas, aldeias e comunidades - ambientalmente sustentáveis, socialmente justos e financeiramente viáveis).

 A professora Jana Elger, residente em Tamera há dez anos, é alemã e licenciada em Arte e Pedagogia. Quando terminou a faculdade, queria abraçar um estilo de vida diferente, longe do rebuliço das grandes cidades e próxima dos valores que considera essenciais: “Comecei a pesquisar e encontrei algumas informações sobre Tamera. Na altura, o que mais me interessou foi o trabalho do Instituto para a Paz. Vim conhecer o local e decidi ficar.” Passado algum tempo, foi nomeada responsável pelo Espaço das Crianças, que considera ser muito mais do que uma escola: “É toda uma vivência conjunta. Aqui, nós tentamos fazer com que elas cresçam na esperança e na confiança num mundo melhor. Esforçamo-nos por melhorar o imenso potencial que têm em termos de criatividade, visão e imaginação.”

 Em 2007, e com base nestes ideais, as crianças de Tamera participaram numa peregrinação a Israel e à Palestina, com o objectivo de conhecerem a realidade de uma zona em guerra e perceberem a importância da luta pela paz. O que viram, segundo Rico Portilho, impressionou-os de tal forma que os inspirou a criar uma peça de teatro: “Eles estiveram hospedados nas casas de outras crianças palestinianas, viveram o seu dia-a-dia e, quando regressaram, disseram ‘temos que fazer alguma coisa’. Então decidimos reunir as ideias deles e construir uma plataforma de trabalho. Usámos a arte como ferramenta para desenvolver uma consciência política, não no sentido de partidos políticos, mas de compaixão pelo mundo.” A peça foi posteriormente apresentada em várias localidades e mesmo noutros países da Europa e América Latina. Esta itinerância obrigou-os a traduzir o texto, o que acabou por incentivar as crianças a aprenderem outros idiomas. Na escola que visitámos, apesar de a língua dominante ser o alemão, há crianças que falam cinco idiomas. A própria vivência em comunidade, com elementos de vários países do mundo, funciona como um estímulo à aprendizagem neste sentido.

 Segundo Rico Portilho, actor e encenador, residente há 12 anos, esta multiculturalidade e a forma alternativa de ensino são algumas das maiores vantagens de Tamera: “O ensino regular tem curriculuns muito fechados, que fazem com que as crianças tenham que estar sempre a provar os seus conhecimentos. Isso não acontece aqui. O nosso ensino é muito individualizado e baseado nas necessidades de cada criança em particular. Para nós, é muito gratificante perceber que as crianças mais novas vêem os mais velhos como modelos e que, muitos deles, decidem permanecer aqui quando chegam à idade adulta.”

 

Amor livre e poligamia

 Criado há 16 anos, Tamera continua a ser um projecto em desenvolvimento para os seus residentes. Na opinião de Rico Portilho, que será pai no próximo mês de Novembro, apesar de existirem ainda aspectos a melhorar em termos educacionais, este é o melhor local do mundo para criar os próprios filhos: “Eu não escolheria outro sítio, isto é realmente o paraíso para as crianças. Aqui elas podem ter uma atitude positiva para com os pais e com os outros adultos.” Sendo esta uma comunidade conhecida por praticar o amor livre, como outras que foram sendo criadas um pouco por todo o mundo a partir dos anos 60, é nesta fase da reportagem que entramos em questões que, de certa forma, os residentes têm evitado. Quando havíamos chegado, logo pela manhã, Leila Dregger, responsável pela nossa recepção e acolhimento, havia afirmado categoricamente: “Há uns anos atrás Tamera era apenas vista como uma comunidade hippie, onde as pessoas faziam amor livremente. Hoje em dia somos muito mais do que isso, e não é essa a imagem que eu quero passar do local.”

 Ainda assim, já ao final do dia, conseguimos falar sobre o tema com Rico Portilho, assumidamente descrente nas relações monogâmicas. Segundo afirma, foi em Tamera que conheceu a actual companheira e futura mãe do seu filho, com a qual mantém uma relação “aberta e baseada na verdade”. No momento em que lhe pedimos para explicar melhor os conceitos utilizados, Rico começa a traçar o seu percurso de vida: “Quando vim para Tamera já tinha um historial de relações falhadas que me estava a cansar bastante, pelo simples facto de que nenhuma dessas relações tinha sido verdadeira. Até ali, quando uma mulher me perguntava se ela era a única na minha vida, eu tinha duas opções – dizia que sim e mentia, ou dizia a verdade e a relação terminava.” Somadas todas as decepções amorosas, o professor/encenador concluiu que não podia continuar a viver todas aquelas crises de ciúme, propriedade e dependência que o amor parecia sempre comportar.

 Actualmente, Rico Portilho tem a mesma companheira há dez anos e sente-se mais estável do que nunca. Em jeito de balanço, afirma já terem ultrapassado alguns momentos de crise semelhantes aos que haviam levado à ruptura nas suas relações anteriores. O segredo do sucesso parece ter sido uma intervenção conjunta da própria comunidade uma vez que, como nos explica, não existem assuntos da esfera privada em Tamera: “Aqui, quando alguém tem um problema, todos os elementos da comunidade falam e tentam ajudar essa pessoa. O mal-estar de um acaba por afectar o bem-estar de todos, por isso tentamos sempre resolver os nossos problemas internamente.”

 Neste sentido, e segundo nos explicam, a decisão de um casal ter filhos é também uma responsabilidade partilhada - um acontecimento planeado e decidido por todos, para que também todos possam contribuir para o crescimento e educação dos mais novos. Sem adoptar perspectivas moralistas sobre os relacionamentos poligâmicos, podem, no entanto, colocar-se algumas questões relativas à paternidade destas crianças que mais tarde correm o risco de se envolver amorosamente com os próprios irmãos. A este respeito, Leila Dregger afirma serem tomadas medidas preventivas no sentido de as mães saberem quem é o pai dos seus filhos e assim poderem evitar relacionamentos cruzados nas gerações futuras: “Quando um casal pensa ter filhos em Tamera, tem que apresentar essa proposta à comunidade, que reúne e decide se eles já são suficientemente maduros para darem esse passo.” Face à nova subjectividade do conceito, perguntamos se já existiram casos em que a comunidade tivesse chegado a um parecer negativo: “Sim”, responde Leila, “Ter um filho deve ser uma decisão responsável, e já houve casos de pessoas que foram aconselhadas a não seguir com o seu projecto.” Em relação à paternidade das crianças, afirma: “os casais são normalmente aconselhados a praticar a monogamia a partir do momento em que decidem procriar. Mas isso também é só um conselho, e não uma obrigação.”

 

Verdades que não magoam

 Na base desta prática poligâmica está o facto, segundo Leila, de os habitantes de Tamera considerarem que o amor e a sexualidade têm de ser livres de mentiras, medo e dominação: “Isto devia ser-nos ensinado logo nos primeiros anos de vida, ao contrário do que acontece na sociedade em geral. Por outro lado, é um comportamento que só pode ser explorado numa comunidade que cria uma base de suporte mútuo, de abertura, transparência e confiança.” A opção tem ainda, segundo Leila Dregger, um fundamento filosófico: “Para nós, este não é apenas um assunto privado, mas também político. Todos têm que encontrar a sua verdade. Ninguém deve dizer ao outro ‘sê monogâmico’, ‘sê poligâmico’, ‘sê heterossexual’ ou ‘sê homossexual’.” Contra uma sociedade capitalista, afirma, o amor livre praticado em Tamera assenta no princípio básico de que ninguém é propriedade de ninguém.

 Como exemplo prático da teoria, Rico Portilho acrescenta que a maior prova da confiança que sustenta a sua actual relação é precisamente a liberdade de poder dizer à companheira que se sente atraído por outras mulheres e que esta, por sua vez, consiga entender, sem que isso origine discussões, medos ou ciúmes. Procurando saber se a situação inversa (quando a companheira se sente atraída por outros homens) também é facilmente suportável pelo actor/encenador, obtemos uma resposta contundente: “No princípio, foi bastante complicado. Não estava habituado, não conseguia controlar os ciúmes, nem perceber por que razão eu não era suficiente para ela. Com o tempo, acabei por aceitar que tenho os mesmos impulsos, e que, portanto, é natural que ela se sinta assim. Depois percebi que o meu amor crescia quando nós éramos sinceros um com o outro.” Ainda assim, como na vida em sociedade, existe um reverso da moeda: “Não digo que nós não tenhamos problemas. É claro que manter uma relação assim não é fácil, mas é muito mais verdadeiro”, acrescenta Rico. Uma vantagem tão mais importante se pensarmos que procurar a verdade, a paz e um mundo ecologicamente mais sustentável parecem ser os objectivos de todos os residentes de Tamera.

 

 

Entrevista a Daniel Cardoso, professor universitário e investigador na área do género e

poliamor Focus:

 

 Focus:Conhece o conceito de amor livre em Tamera?

 DC: Conheço, no geral, o conceito de amor livre tal como ele deriva das práticas dos anos 60 nos EUA, das comunidades hippie e neopagã.

 Focus: De que forma o interpreta?

 DC: Entre outras coisas, tem que ver com procurar pensar as relações amorosas e sexuais para além dos limites impostos pelo pensamento capitalista e pela associada moral burguesa que se veio a desenvolver desde o século XVIII de forma mais consolidada.

 Focus: Este tipo de filosofia/ideal é frequentemente praticado noutras comunidades espalhadas pelo mundo inteiro. Conhece outros exemplos?

 DC: Sim, existem várias religiões e comunidades (no passado e no presente) deste género. Exemplos disso são alguns grupos associados à Church of All Worlds.

 Focus: Considera que este comportamento existe na sociedade, em geral, embora com menos transparência?

 DC: Sim, claro. Alguns estudos (EUA) situam a taxa de infidelidade entre os 25 e os 35 por cento. Mas isto não é infidelidade, e sim não-monogamia, responsável e consensual - algo consideravelmente menos comum, mas ainda assim com alguma expressão como, por exemplo, junto das comunidades poliamorosas e swinger.

 Focus: Quais as mais-valias deste tipo de relacionamentos?

 DC: A existência de maiores bases de apoio emocional e pessoal; o contacto com mais pessoas e com experiências mais diversas, menos restringidas pelas convenções sociais.

 Focus: E as maiores dificuldades ou desvantagens?

 DC: Administrar o tempo, as afectividades e as vontades de todas as pessoas envolvidas, tentando garantir que todas as pessoas se sintam concretizadas com a situação.

 Focus: A monogamia eterna é uma prática extinta, difícil de concretizar nos dias que correm?

 DC: Sempre foi uma prática relativamente pouco expressiva, pelo menos para os homens, a quem a sociedade desde sempre autorizou a infidelidade e a associou com virilidade. O que é difícil de concretizar é precisamente a vivência da não-monogamia responsável no meio de tantas formas de discriminação.

 Focus: Sendo praticada numa comunidade tão pequena (Tamera tem apenas 160 residentes), não existe o perigo de relacionamentos incestuosos?

 DC: Relacionamentos incestuosos são relacionamentos entre pessoas da mesma família e, tanto quanto sei, Tamera tem pessoas vindas de muitos sítios diferentes e também muitos e muitas visitantes. Assim sendo, não vejo como se põe esse perigo, nem vejo em que é que se constitui este perigo - as relações incestuosas só podem ser perigosas na possibilidade de existirem filhos com problemas genéticos.

 

Ana Catarina Pereira
 

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