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João Pereira Coutinho

Conservador aos 33 anos

 

“As mulheres brasileiras fizeram mais por Portugal do que séculos e séculos de permutas académicas, literárias, culturais.” Quem o diz é João Pereira Coutinho. Professor da Universidade Católica de Lisboa, comentador político, cronista do jornal Expresso e da Folha de São Paulo. Nasceu no Porto há 33 anos e vive actualmente em Lisboa.

Nas suas considerações relativas às mulheres brasileiras, publicadas no livro de crónicas Avenida Paulista, prossegue: “Tempos houve em que ‘beleza’ e ‘mulher portuguesa’ não rimavam na mesma frase (…). A ‘Mulher Bonita’ era um ser de contornos mitológicos. Como as fadas. Os duendes. Os esquerdistas inteligentes. O resto era desolador. Rostos fechados. Pernas também. E o clássico bigode, que crescia por desleixo. Como as ervas daninhas de um jardim abandonado.” Pura poesia em forma de prosa numa ode a uma vaga de imigração iniciada há cerca de dez anos. Para João Pereira Coutinho terá sido desde então que tudo começou a mudar, para melhor, sublinha. A competição espevitou as mulheres portuguesas, que correram às esteticistas, desceram decotes e levantaram saias, protagonizando a única revolução que este conservador gostou de apreciar em terras lusas desde a data do seu nascimento.

 

O sentido de humor e a ironia presentes nesta e noutras crónicas levam-nos a colocar a hipótese de estar perante uma espécie de “Gato Fedorento”, à direita. Responde que adoraria ter o talento dos mesmos, mas que não se sente, de forma alguma, um humorista. Apesar disso, “a perspectiva que tenho da realidade é sempre cómica. Basta olharmos para as pessoas para nos desatarmos a rir. Basta olhar para mim!” Como se definirá, então, João Pereira Coutinho? Como costuma preencher os papéis das finanças, hospitais e contratações de serviços, no espaço em branco que se segue à palavra “profissão”? Com tantas actividades, afirma ter dificuldade em definir aquela com que mais se identifica: “Depende da hora do dia e do heterónimo que estiver acordado mas, em geral, gosto de dizer que sou jornalista, só para chatear aqueles que dizem que não tenho carteira profissional”.

 

Eterno apreciador do género feminino (incluindo o mais sensível ao efeito das vagas de imigração), João Pereira Coutinho continua a ser um cavalheiro à moda antiga. Citando Oscar Wilde, sublinha que a educação deve vir antes da moral (“Manners before morals”), não estando obrigatoriamente relacionada com o conservadorismo: “Conheço imensos conservadores que são autênticas cavalgaduras, e imensos progressistas que são verdadeiros cavalheiros. Eu prefiro estar na companhia de uma pessoa de esquerda, que tem maneiras, do que perto de um conservador que é um selvagem.”

 

Em termos políticos, João Pereira Coutinho considera que a distinção entre esquerda e direita continua a fazer sentido, por ser genética. Na sua opinião, o optimismo, a crença no Homem e o progressismo correspondem à esquerda; enquanto à direita cabe uma postura mais céptica, conservadora e descrente na bondade humana. O professor/cronista identifica-se com a segunda visão do mundo e avança na sua explicação. Citando agora Miguel Esteves Cardoso, sublinha que a frase que melhor define um cidadão de direita é simples: “Deixa-te disso!”, traduzindo uma imensa vontade de “querer ser deixado em paz”. Politicamente, significa que o indivíduo deve ser livre de fazer escolhas, sem qualquer intervenção estatal. Apesar do discurso, reforça que não se identifica com nenhum dos partidos de direita com acento parlamentar. A justificação é simples: “Nenhum deles é euro-céptico, nem propõe a redução dos poderes do Estado…”

Não tendo uma visão optimista dos seres humanos, olha com natural desconfiança para todos os projectos: “Se os seres humanos não são grande coisa é muito difícil que as reformas possam resultar em algo de grandioso. Isto não significa que a História da Humanidade não apresente progressos, ganhos e conquistas, mas acho que é preciso fazer uma distinção entre progresso técnico ou material e progresso humano ou moral. Eu acho que nós somos pouco mais do que os selvagens que saíram das cavernas: os nossos sentimentos essenciais (ódio, amor, inveja, ambição, traição, lealdade e deslealdade) são exactamente os mesmos dos nossos antepassados.”

Ao contrário do que pretendia Rousseau (o homem nasce bom e é corrompido pela sociedade), João Pereira Coutinho afirma que “o ser humano seria certamente muito pior se a sociedade não o civilizasse ou reprimisse”. Na sua opinião, existem uma série de factores e sistemas que potenciam o lado melhor do ser humano, nomeadamente a escola, as igrejas, a família, a literatura ou a arte: “No fundo, é como se nós nascêssemos despidos e várias instituições nos fossem vestindo.” Face a uma iminente crise destas instituições, João Pereira Coutinho considera que existem duas possibilidades: destrui-las ou reformá-las, sublinhando que a primeira será defendida pelos partidos de esquerda, enquanto a segunda poderá ser levada a cabo por conservadores. No seu entender, esta reforma deverá ser realizada tendo em conta a experiência do passado e a tradição. Exemplificando: se a civilização e a arte foram criadas a partir de uma estrutura em que o professor ensina e os alunos aprendem (e não o contrário), esta estrutura deve ser mantida. Novo exemplo: se a experiência dos EUA mostra que a criminalidade é mais elevada nos casos de famílias monoparentais, a família estruturada deve continuar a ser a base da sociedade.

Para além destes ideais, outros traços fazem de João Pereira Coutinho um verdadeiro conservador. A análise é feita na primeira pessoa: “No fundo eu sou um conservador burguês, com todas as virtudes burguesas que possa imaginar: sou muito urbano, prezo o cavalheirismo, o estar com os amigos, os hotéis e as viagens!” Em oposição, critica o estereótipo habitualmente formulado: “Não sou daqueles conservadores aristocráticos que têm uma cabeça de um búfalo na parede, que cantam o fado e que usam a camisa aberta até ao umbigo, com uma correia de ouro; daqueles que têm uma fotografia de D. Manuel e azulejos nas paredes…”Para João Pereira Coutinho, os conservadores que julgam pertencer a linhagens aristocráticas são precisamente os mais criticáveis. Como sublinha, o seu conservadorismo não significa que goste da monarquia, fados e touradas, nem que vista blazers azuis de botões dourados. Na entrevista, o blazer está realmente presente, mas em tons de castanho, com calças de ganga e ténis.

 

Em termos religiosos, João Pereira Coutinho afirma-se católico, praticante em dias de casamentos, baptizados e funerais. Mas se o ritual não ocupa um papel relevante na sua vida, o mesmo não se aplica ao sistema de pensamento, à cultura e à espiritualidade latentes na religião: “acho que é o cimento da vida em sociedade.” Relativamente a outros temas que habitualmente suscitem debate, aceita falar de alguns, como o casamento entre homossexuais e a adopção de crianças: “Eu não tenho nada contra a adopção. Pessoalmente, prefiro que uma criança seja educada por pessoas do que pelo Estado.” Em termos matrimoniais, afirma-se mais conservador: “Não sou contra o casamento por ser homofóbico, por achar que é imoral ou um atentado contra o casamento entre pessoas de sexos distintos. Sou contra, por razões epistemológicas. Existem determinadas instituições sociais que têm uma natureza própria. Se essa natureza não for respeitada, não há nenhum motivo que impeça outro tipo de uniões. Não há nenhum motivo para aceitar o casamento entre pessoas do mesmo sexo e não aceitar o casamento entre três pessoas, por exemplo. O casamento é como um clube e esse clube tem regras.”

 

E, para não fugir à regra, enquanto historiador de arte (mais tarde especializado em Ciência Política), João Pereira Coutinho mantém a postura conservadora. Na crónica “A arte dos adolescentes”, igualmente publicada no livro “Avenida Paulista”, afirma: “Uma sociedade totalmente secularizada, que despreza a religião e eleva o materialismo a um novo e único deus, só pode gerar uma arte entediante e adolescente. E, do ponto de vista histórico, falsamente rebelde: a arte ‘oposicional’ começou com os românticos e morreu, algures, na década de 60, com o estertor pop.” Na opinião do historiador, não é possível criar artisticamente no vazio, sem conhecer a tradição: “O interesse de uma obra de arte está sempre na referência que essa obra estabelece com uma tradição, mesmo que seja para a rejeitar. Para Picasso chegar ao cubismo, que é seguramente a maior revolução pictórica do século XX, teve de conhecer toda a tradição e se revoltar contra ela.” A postura céptica que o caracteriza leva-o ainda a sublinhar a facilidade com que actualmente um artista é classificado como “génio”. Numa crítica lançada aos meios de comunicação social, intitulada “A arte de bem degolar”, refere: “As pessoas usam e abusam da palavra génio. Alguém escreve, pinta ou filma com relativa competência e as massas críticas irrompem em delírio, proclamando genialidade com assustadora ligeireza. Como se chegou a este triste estado, em que génios se multiplicam com a rapidez própria dos coelhos? Ideologicamente, claro. A palavra ‘génio’ implica uma desigualdade que o pensamento igualitarista não tolera.” O risco de deixarmos de reconhecer os verdadeiros génios, raros e singulares, é, no seu entender, elevado. Um alerta conservador lançado aos críticos e à sociedade em geral.

Texto Ana Catarina Pereira

Fotografia Steve Stoer

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