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“Caça ao Marialva”

Uma aventura jornalística pelos bairros de Lisboa

 Quando se pergunta a um jornalista qual o tipo de actividade que mais gosta de desenvolver, quase sempre, a resposta é única: reportagem no terreno. Ir em busca da notícia, falar com os protagonistas, procurar o melhor ângulo e tentar reportar novidades ao leitor/espectador/ouvinte é o objectivo principal dos que escolheram este modo de vida. Assim sendo, a missão traçada para aquela tarde de segunda-feira era clara: ir ter com o fotógrafo, embrenharmo-nos pelos bairros típicos de Lisboa e encontrar alguns dos mais legítimos espécimes que deram o mote a esta edição. Estávamos ambos perfeitamente conscientes do risco de uma busca infrutífera: podíamos não encontrar um único, ou efectuar um diagnóstico errado e regressar a casa sem material. Mas tal não aconteceu. Não encontrámos um, nem sequer dois, mas sim três, de faixas etárias diferentes e personalidades vincadas. O marialvismo que os caracteriza da ponta dos cabelos aos dedos dos pés ultrapassou gerações e chegou intacto aos nossos dias.

 

I Capítulo:O Marialva da geração iPod

 No Bairro da Bica, entramos no Marítimo Lisboa Clube, uma associação desportiva onde os moradores jogam às cartas, vêem futebol e falam das velhas glórias do clube: as taças das vitórias estão à vista, ao lado de fotografias a preto e branco dos antigos dirigentes. Observados de soslaio, começamos por pedir ajuda ao senhor que se encontra atrás do balcão: “Somos jornalistas e procuramos um bom vivant, um tipo gingão que goste de várias mulheres, trabalhe pouco e fale muito…” A reposta foi rápida: “Ah! A pessoa certa para isso é o Escada!” A razão da alcunha mantém-se no segredo dos deuses, mas a figura apresentada passa imediatamente no casting: “Querem falar comigo?”, pergunta-nos de mãos nos bolsos e o tom de voz de quem está habituado ao mediatismo.

 Pedro Duarte, 24 anos, é uma espécie de “relações públicas” do bairro. Trabalha em part-time na junta de freguesia, num projecto de apoio pedagógico a alunos carenciados. Para além disso, participa anualmente nas marchas de Lisboa, nos santos populares e nos jogos da equipa de futebol local. A importância e repercussão social do seu trabalho, bem como o facto de ter nascido aqui, parecem ajudá-lo a manter elevados índices de popularidade. Para as senhoras de idade que se encontram na associação, Pedro é “o meu menino, a minha jóia!”

 No que a mulheres mais jovens diz respeito, soma também um considerável número de fãs, namoradas e “amigas”. Melhor do que ninguém, conhece os motivos pelos quais elas não lhe resistem: “Eu sou muito natural. O que sou durante o dia é o que tenho de ser na noite; caso contrário, elas vão achar que eu não tenho personalidade nenhuma.” E isso, Pedro não quer! É precisamente à noite que gosta de aumentar o seu número de conquistas: “Eu sou fascinado pela noite. Aqui na Bica já temos quatro bons bares, que vêm nos roteiros turísticos de Lisboa. Como eu, graças a Deus, tenho liberdade de horários, muitas vezes saio até à hora de almoço do dia a seguir.”

 Mas existirá algum tipo de mulher que agrade mais a este Marialva bicaense? Quais as características exigidas? “Eu gosto de mulheres lutadoras. As mulheres aqui do bairro são assim, até porque a condição social da maioria obriga a isso. Eu não gosto daquele tipo de mulher que não quer fazer nada e que se entrega à vida fácil. Para mim, uma mulher tem que ser inteligente, dinâmica e bonita: quem disser que a beleza não é importante está a mentir.”  

 

 

II Capítulo: Bailes e excursões

 Caminhando da Bica para o Cais do Sodré, paramos no restaurante O 13 de São Paulo. Seguindo a estratégia anterior, pedimos auxílio ao proprietário que imediatamente responde: “Alguém que gosta de mulheres e dos prazeres da vida? Sou eu!” A desenvoltura parece corresponder ao perfil procurado, pelo que damos início a mais um estudo. Natural de Pampilhosa da Serra, Manuel Alves tem 62 anos. Nunca casou, mas viveu em união de facto durante 13 anos. Sem grandes introspecções, sabe de cor e salteado os motivos da separação: “Reconheço que, se me tivesse portado melhor, hoje não estaria sozinho. Mas um homem também não é de ferro. Eu tinha um bocado a mania que era galã e que ‘papava’ todas”. O somatório de infidelidades parece ser, no entanto, perfeitamente compreensível e alheio à sua vontade: “Tive muitas aventuras, é verdade. Eu até estava bem servido em casa, mas aparecia sempre algo para me despertar a atenção. Isso ainda hoje me acontece. Não há nada a fazer, eu hei-de ser sempre assim.”

 Fatalismos à parte, Manuel Alves não se considera culpado dos estragos causados pelo seu “charme natural” e respectivos rituais de conquista, aprimorados em vastos anos de investidas. Espalhados pelo balcão do restaurante, encontramos alguns panfletos e cartazes de excursões que o próprio organiza. Os bailes e passeios pelos caminhos de Portugal são, desta forma, o seu terreno de actuação: “Nesse aspecto, eu tenho um bocado de sorte. Sempre que vou a um bailarico ou a uma excursão arranjo uma namorada! É natural! Eu sou um tipo simpático, 100% honesto, hospitaleiro e amoroso, capaz de falar com qualquer pessoa. Ah! E dizem-me muita vez que tenho os olhos bonitos!”

 Quanto ao tipo de abordagem praticado, Manuel deixa algumas dicas aos iniciados: “É preciso saber falar com uma mulher - sobretudo se for mais velha. Eu chego ao pé dela e começo por perguntar se quer dançar, ou por que razão está sozinha. Depois, pergunto se é casada, solteira ou viúva, digo-lhe que é muito simpática e que gostaria de voltar a vê-la.” Tal como as gerações mais novas, Manuel Alves conhece a importância das telecomunicações: “Nunca acabo uma conversa com uma mulher que me interessa sem ficar com o seu número de telefone.” Tempo para o romantismo é que parece não existir. Confiando no seu poder de sedução, Manuel afirma que não precisa de oferecer flores ou caixas de chocolates: “Quanto muito, levo-as a dar outro passeio, mas nessa altura, normalmente, elas já estão caidinhas!”, o que, aparentemente, dispensa qualquer gesto adicional.

 

 

Capítulo III: Fados e guitarradas

 Já ao final da tarde, encontramos o Marialva que mais corresponde ao estereótipo: mão direita no bolso das calças, casaco de couro, cigarro a descair da boca e farfalhudo bigode, amarelecido pelo vício. Quando era jovem, afirma ter sido “desportista a sério”, nas equipas de futebol e basquetebol do Sporting. César Martins, 60 anos, natural de Moscavide, canta o fado nas tabernas de Lisboa e diz-se amante de uma infindável lista de mulheres. Quantas? Não sabe ao certo: “Nunca me dei ao trabalho de contar, mas já foram muitas. Para ter uma ideia, a minha vida sexual começou aos 11 anos, com uma prima mais velha que me iniciou nos prazeres da vida. Depois, a partir daí, foi sempre a somar.”

Mas por que razão se considera César Martins tão irresistível? A resposta é simples: “Isso tem tudo a ver com o meu charme. É uma coisa que eu faço naturalmente, ‘tá a compreender?” Numa análise sociológica mais profunda, estes seriam os pontos em comum aos três Marialvas: uma forte auto-estima e um talento inato para a conquista. Na realidade, eles não têm culpa: as mulheres é que não lhes resistem!

 Mas suspendamos por aqui as generalizações e análises, e voltemos ao digno exemplar da espécie. César Martins foi aquilo que designa como “empresário de mulheres da vida”, acompanhantes de alguns homens, incluindo políticos portugueses, cujos nomes não se abstém de mencionar. Tendo a listagem assumido contornos tão fidedignos como o próprio personagem, optamos por prosseguir sem mais especificações.  “Eu tinha a minha profissão - trabalhava como mecânico - mas também gostava muito da noite e, obviamente, tinha uma percentagem sobre o que estas meninas ganhavam”, afirma César Martins. Neste último aspecto, faz questão de sublinhar: “Elas só faziam companhia aos senhores. Eu nunca lhes pedi para dormirem com ninguém. Se o fizeram, foi por conta delas.”

Esclarecido o assunto, regressa às infindáveis conquistas: “Eu já ando nisto há muitos anos.” Para dar mais realismo ao discurso, puxa o cabelo grisalho para trás e afirma, num gesto teatral: “É preciso ter muito cuidado. À noite, existem três tipos de mulheres: as otárias, as atrevidas e as sacadoras.”  Deste último tipo, César faz questão de fugir: “Eu sei perfeitamente quando uma mulher só está interessada no meu dinheiro.” Dinheiro este que, pelas nossas contas, não será muito: “Recebo o rendimento mínimo porque não posso trabalhar e estou à espera que me dêem a reforma.” Enquanto esta vem e não vem, César Martins não diminui o consumo de álcool, nem tão pouco prescinde das saídas nocturnas. Para financiar este estilo de vida, assume que conta com o apoio da actual mulher: “É verdade, eu gasto-lhe os trocos nos copos e na noite, mas ela não se queixa. Eu faço-lhe companhia e ela assim não está sozinha!” E é com tamanho gesto de generosidade que César Martins nos deixa, não sem antes lembrar: “Não pense que eu digo estas coisas por ser homem! As mulheres são exactamente iguais a nós!”.

Ana Catarina Pereira

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