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O melancólico

 Apresenta-se como criativo, embora tema que isso não seja muito prestigiante. Como os poetas, gosta de brincar com as palavras e formar novos substantivos. Um dia, passeava na rua, e teve uma ideia para descrever o seu eterno estado de espírito: “melancómico”. Assim vive Nuno Costa Santos, num limbo entre a melancolia e a comicidade, que o faz olhar para as coisas de uma forma mais prolongada que as outras pessoas.

 É em www.melancomico.blogs.sapo.pt  - já publicado em livro e que brevemente passará a programa de televisão - que Nuno Costa Santos dá a conhecer os seus pensamentos sobre a realidade que o cerca. Num dos posts mais recentes, escreveu: “Provar um desgostozinho de cada vez. Há o menu de degustação e o menu de desgostação.”

 Como blogger assíduo passa algumas horas do seu dia na Internet. No Facebook tem mais de 500 amigos, embora na vida real atribua essa designação a muito menos pessoas. Apesar de ter aderido às redes sociais, sublinha não as usar para divulgar, minuto a minuto, cada nova ideia que lhe surge. Privilegiando o contacto pessoal, afirma melancolicamente: “Não há riso anónimo que valha o riso daqueles que amamos. Fazer rir as pessoas com quem converso no café, a namorada ou os filhos é muito mais importante para mim.”

 Apesar de ter nascido em Lisboa, considera-se açoriano, uma vez que foi em Ponta Delgada que viveu os anos essenciais na formação da sua personalidade. Aos 18 anos regressou à capital para estudar Direito, o que afirma ter sido um erro. Apesar de se sentir mais vocacionado para a área da Comunicação, acatou o aconselhamento paterno e tentou ser advogado. Durante os anos de faculdade, fundaria uma revista literária, juntamente com Miguel Romão, Luís Filipe Borges e Alexandre Borges. Aí redescobriu a sua vocação, que o fez abandonar o curso já no último ano, quando começaram a surgir convites para colaborar com outros jornais, revistas e canais de televisão. Apesar de versátil, deixou uma marca comum em todos os meios de comunicação social por onde foi passando: um sentido de humor algo irónico que o faz humanizar as figuras divinizadas pela sociedade. Citando Alexandre O’Neill, Nuno Costa Santos assume que é esse o seu melancómico ofício: “Ele dizia ‘Eu posso não ter feito muitas coisas, mas tirei o peso às coisas.’ Eu também faço isso. Quando vejo algo muito abstracto ou etéreo, gosto de o puxar para o lado da conversa de supermercado ou da repartição pública, tentando criar uma fusão entre o sublime e o quotidiano.”

 E é precisamente esta a sua maior fonte de inspiração. Se, para alguns humoristas, é fácil assistir às reportagens na Assembleia da República e caricaturar personalidades políticas emblemáticas, Nuno Costa Santos prefere estar atento às conversas que os portugueses têm nos cafés e transportes públicos. Retrospectivamente, considera que sempre foi uma pessoa dada a esta mistura de sentimentos: “Lembro-me de gostar de alguns filmes cómicos e de ser fã dos The Cure. Sempre houve uma atracção minha por uma densidade triste, que depois recriava através do humor.” É desta forma que as pessoas que ama o inspiram a criar, sendo que o seu humor não se traduz num simples acto de gozo ou num mau juízo do objecto em questão. Por outro lado, é algo que parece acontecer com naturalidade: “Eu não estou triste e penso ‘vou utilizar o humor para sair desta’. O humor funciona como uma defesa, mas é espontâneo. Eu sou naturalmente assim.”

 No entanto, se esta oscilação de estados de espírito nos parece natural (ou mesmo equilibrada), restam-nos ainda algumas dúvidas sobre a sua definição de melancolia. Alguns segundos de reflexão permitem-lhe criar uma imagem: “Ser melancólico é estar a beber “Pisang Ambom” encostado ao balcão de uma discoteca, quando toda a gente está a dançar.” Talvez seja nesta posição que Nuno Costa Santos gosta de reflectir. Aos 35 anos, afirma já ter passado por várias áreas e estar a chegar a uma fase de definição de caminhos. Actualmente, dá alguns workshops de escrita criativa, sublinhando a dificuldade da tarefa: “É complicado ensinar humor às pessoas. Eu não gosto de fórmulas, e as pessoas podem vir para as aulas à procura disso mesmo. Mas esta é uma área em que eu gosto de trabalhar e que sinto que posso desenvolver.” Para além disso, aceita as designações de “cronista”, enquanto pessoa que assume um determinado ângulo de visão, e “escritor”: “Não sou um Escritor (com e maiúsculo), nem pretendo ser. Mas, numa perspectiva despretensiosa, sou um escritor, porque faço da escrita a minha vida.”  Apesar de multi-facetado, existe no entanto uma designação que Nuno Costa Santos rejeita: “Eu não sou um cómico. A maioria dos cómicos são bastante profissionais e competitivos, mas eu não me sinto parte dessa família. O meu objectivo principal não é fazer rir os outros. O meu humor, por vezes, vem do absurdo, é uma atitude filosófica em relação à vida. Sempre que trabalhei, única e exclusivamente, a fazer humor, não fui feliz; senti que corria o risco de me tornar um técnico ou um funcionário público do humor.”

 Ao longo da entrevista, as respostas de Nuno Costa Santos vão surgindo lentamente, deixando transparecer que gosta de reflectir em tudo aquilo que diz. E uma pergunta teria inevitavelmente que surgir. Como “observador especializado”, será que aprecia aquilo que habitualmente vê ou, pelo contrário, se pudesse escolher, teria nascido noutro país? Aqui a resposta não deixa lugar para dúvidas. Apesar de melancólico, Nuno Costa Santos não tem paciência para o discurso do “coitadismo nacional”. Considerando que nem todos os portugueses são pessoas tristes, afirma que Portugal é, não apenas o país do fado, mas também o dos Buraka Som Sistema: “A maior parte dos portugueses que eu conheço não tem nada a ver com o cliché do pessimismo. Pelo contrário, são curiosos, gostam de sair, viajar e discutir. Nesse aspecto, a blogoesfera teve um papel importante, mostrando uma série de pessoas com vivacidade, que exprimem as suas opiniões sem qualquer receio.”

 É com este Portugal que Nuno Costa Santos se identifica. Das suas referências nacionais fazem parte poetas como Ruy Belo, Alexandre O’ Neill e Fernando Assis Pacheco. Por outro lado, as crónicas de Miguel Esteves Cardoso constituíram também um ponto a favor de algumas escolhas profissionais que foi realizando ao longo dos anos. Para além disso, afirma divertir-se com as crónicas de Pedro Mexia e João Pereira Coutinho, pelo sentido da “desimportância” que atribuem a algumas especificidades da vida. Ocupando um local indestronável, Herman José continua a ser, na sua opinião, o maior humorista português: “Eu sei que a resposta não é original, mas o Herman formou uma geração. Lembro-me de chegar todos os dias a casa e sentar-me a ver ‘A Roda da Sorte’. O Herman é o Miguel Esteves Cardoso da televisão.”

Ana Catarina Pereira

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