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O mundo empresarial na perspectiva feminina

 

Segundo dados da Associação Portuguesa de Mulheres Empresárias, a percentagem de mulheres administradoras das empresas do PSI20 não vai além dos 6 por cento. Para além disso, em todo o país, em apenas 30 por cento dos casos a designação “empresário” muda de género e passa a ser enunciada no feminino.

Ana Bela Pereira da Silva, presidente da APME, relembra que, tal como a política, o mundo dos negócios continua a ser dirigido de fato e gravata.

 

Analisar o universo de alunos que preenchem as vagas de entrada nas universidades portuguesas implica, cada vez mais, contactar com uma população maioritariamente feminina. Apesar disso, esta vantagem inverte-se quando analisamos os profissionais que ocupam os lugares de topo nas suas carreiras. Para contrariar esta tendência, Ana Bela Pereira da Silva foi uma das primeiras mulheres em Portugal a defender o empreendedorismo no feminino. E por várias razões. Na sua opinião, homens e mulheres são diferentes, tanto do ponto de vista biológico, como sócio-comportamental: “Não vale a pena dizermos que somos iguais, porque felizmente não somos! Tradicionalmente, a mulher concilia uma série de papéis que o homem até agora não tem tido sob a sua alçada, o que nos leva a exercer uma liderança diferente.” Na opinião da empresária, o facto de algumas mulheres não se diferenciarem dos homens quando ocupam posições de poder justifica-se por continuarem a constituir uma minoria em todos os sectores. Assim, para serem aceites e se integrarem, acabam por adoptar padrões de comportamento masculinos.

Segundo Ana Bela Pereira da Silva, a partir do exacto momento em que uma mulher assume uma posição de liderança, inúmeros aspectos logísticos e de posicionamento da própria empresa são alterados. Para nomear alguns exemplos, afirma que, regra geral, deixam de se realizar reuniões de trabalho à noite. Em simultâneo, criam-se mecanismos de apoio ao desenvolvimento da localidade ou região onde a empresa se encontra inserida: “As mulheres sempre apostaram no papel social das empresas, muito antes da responsabilidade social estar na moda. Para além disso, têm uma necessidade de protagonismo bastante inferior à dos homens, e isto faz com que fomentem o trabalho em equipa. Uma liderança feminina é uma liderança partilhada e participativa”, afirma a empresária. 

 

Ana Bela Pereira da Silva é economista de formação. Quando terminou a licenciatura, começou por trabalhar como executiva, ao mesmo tempo que desenvolvia o seu próprio projecto de negócio. Quatro anos depois, sob acesa contestação familiar e de amigos, deixou o seu “porto seguro” no sector público e embarcou na imensa aventura de ser empresária a tempo inteiro num país à beira-mar plantado. Hoje em dia, à luz da distância e do discernimento, afirma que ganhou algumas batalhas e que perdeu outras: “De facto, troquei o certo pelo incerto. Mas foi uma aposta minha, porque me sentia muito desmotivada. A empresa onde eu trabalhava era muito grande, e mudava de estrutura sempre que mudava o governo.” Ao longo dos anos foi trabalhando arduamente, sem horários fixos ou fins-de-semana livres, e com o eterno peso da responsabilidade de pagar os ordenados dos seus colaboradores. Chegados a esta parte da entrevista, sentimos que este é um dos seus “cavalos de batalha” – um tema que, segundo afirma, os media e a opinião pública insistem em ignorar: “Muitos pequenos e médios empresários dão os seus bens pessoais como garantia aos bancos, para poderem continuar a pagar, mensalmente, os ordenados dos seus funcionários. E ninguém lhes dá valor por isso! Ninguém reconhece que eles constituem uma grande entidade empregadora do país.”

 

É da mesma forma apaixonada que Ana Bela Pereira da Silva reage quando lhe pedimos exemplos de empresárias bem sucedidas em Portugal: “Elas estão em todas as revistas. Do que não se fala é dos milhares de pessoas comuns que conseguem levar as suas empresas para a frente, dando emprego a outras pessoas. Ninguém lhes diz obrigada, nem ninguém se lembra que é graças a elas que ainda temos alguma paz social! A falta de apoio aos pequenos empresários em Portugal é assustadora.” Neste aspecto, a empresária não resiste a fazer uma comparação com a mediatização do sector público: “Em vez de falarem destes problemas, os jornais preferem dizer ‘coitadinhos dos funcionários públicos’. Eu não percebo! Os 500.000 desempregados que temos vêm do sector privado. Em Portugal, nenhum funcionário público é despedido e muitos têm reformas antecipadas. De facto, têm perdido algumas regalias nos últimos anos… E nós? Não estaremos muito pior? Não somos nós que estamos a pagar as reformas antecipadas deles?”

 

Mas as críticas aos meios de comunicação social da presidente da APME não se ficam por aqui. Em tom igualmente aceso, o discurso prossegue: “Muitas vezes passa-se uma imagem cor-de-rosa sobre os empresários deste país, de que são todos pessoas muito ricas e bem sucedidas. Não é nada disso! Ser empreendedor é algo que se vai fazendo e construindo ao longo do tempo, com muitas batalhas perdidas e outras tantas ganhas.” Na sua opinião, um empreendedor é alguém que congrega em si uma série de características essenciais, como iniciativa, criatividade, responsabilidade, persistência, resistência à frustração e apetência para correr riscos e tomar decisões.

 

Actualmente, Ana Bela Pereira da Silva é sócia de três empresas e presidente de uma cooperativa ligada à formação e ao ensino técnico-profissional. Foi o seu envolvimento como líder do primeiro “Projecto Integrado para Potenciais Mulheres Empresárias” em Portugal que a fez aceitar o convite para integrar a lista da direcção da APME, ocupando o cargo de presidente desde 1995. Com sede em Lisboa, a Associação Portuguesa de Mulheres Empresárias foi fundada há 25 anos. Foi a primeira iniciativa deste género em Portugal, à semelhança do que já vinha então a acontecer noutros países europeus. Como nos explica Ana Bela Pereira da Silva, no pós-segunda Guerra Mundial registou-se um aumento do número de mulheres que dirigiam empresas, causado pela elevada taxa de mortalidade entre os homens. Apesar disso, nos anos 60 e 70 começa a sentir-se um movimento contrário, que tenta recolocar as mulheres como donas de casa, uma vez que a população masculina tinha novamente aumentado e se afirmava preparada para ocupar o seu “devido lugar”. Associações como a APME começam então a formar-se um pouco por toda a Europa, importando o modelo norte-americano da BPW (Business and Professional Women), criada em Washington em 1919.

 

Os objectivos da associação, segundo Ana Bela Pereira da Silva, resumem-se a apoiar e dar suporte às mulheres que querem formar a sua empresa, bem como às empresárias que já estão no terreno. Este apoio consiste essencialmente na elaboração do projecto e na apresentação do mesmo às entidades competentes, bem como na cedência de aconselhamento jurídico e de marketing. Sublinhando que a percentagem de mulheres empresárias, em Portugal, não vai além dos 30 por cento, Ana Bela Pereira da Silva considera que a maioria sofre discriminações a vários níveis, começando pela própria capacidade de negociação junto da banca - facto que associa ao crescente número de famílias monoparentais: “Na grande maioria dos casos de divórcio, é a mulher que fica com os filhos, e isto é altamente penalizador em termos de banca.” Os critérios subjectivos de avaliação de projectos empreendedores, segundo afirma, são também uma desvantagem para as mulheres: “Quem faz estas avaliações são pessoas, e as mentalidades não mudam por decreto-lei. A mulher é muito discriminada pela falta de credibilidade que habitualmente lhe atribuem.”

 

Para além disso, a já mencionada acumulação de papéis femininos constitui, na sua opinião, uma grande desvantagem para as mulheres em termos de competitividade laboral: “Ninguém valoriza o cansaço que isso produz! Nós não somos super-mulheres e, um dia, acabamos mesmo por nos cansar.” Em termos de discriminação feminina, Ana Bela Pereira da Silva considera que uma maior representatividade política poderia diminuir a gravidade do problema. No entanto, sublinha que esta representatividade teria que ser de peso, e não apenas para respeitar uma pequena quota que é imposta aos partidos: “Não podemos continuar sempre ligadas às áreas tradicionalmente femininas, como a saúde, a educação ou a cultura.”

Desta forma, Ana Bela Pereira da Silva considera urgente que se produza uma mudança de paradigma social. Se as mulheres já entraram em força no mercado de trabalho, os homens terão que compensar esta acção e realizar o processo inverso. Na sua perspectiva, o universo masculino irá ganhar um mais profundo conhecimento da magia da paternidade: “Não há nada de mais enriquecedor em termos de imaginação, sensibilidade e criatividade. O mundo das crianças é muito feminino e os homens ainda não o descobriram. Isso será tão benéfico para eles como para os próprios filhos.” Defendendo um equilíbrio entre a vida profissional, pessoal e familiar, Ana Bela Pereira da Silva pensa que este é o verdadeiro segredo da felicidade, tanto para mulheres como para homens. Em termos sociais, a empresária afirma que o mundo se encontra num momento de ruptura: “Não sabemos para onde vamos, mas já percebemos que o que está para trás não serve. Por outro lado, o modelo socioeconómico que temos não está a criar emprego. É por isso que se deve dar oportunidade ao imenso potencial de empreendedorismo feminino que existe em Portugal. Se este potencial for apoiado, teremos mais emprego, mais riqueza e melhor distribuição dessa mesma riqueza.” Para que este avanço se concretize, não tem qualquer problema em aceitar a implementação de medidas de discriminação positiva, tendo em conta que estas apenas surgem pelo facto de inúmeras situações penalizadoras para uma minoria continuarem a persistir: “Em Portugal, tudo leva muito tempo. Estas acções de discriminação positiva podem ajudar a acelerar o processo, para que o empreendedorismo feminino surja e se mantenha.”

 

Adoptando uma postura crítica relativamente à falta de apoio dos sucessivos governos a iniciativas de empreendedorismo, a presidente da APME não hesita em afirmar: “O sistema de justiça português é catastrófico para o tecido económico.” As consequências desta inactividade são sentidas sobretudo, e na sua opinião, ao nível das pequenas e médias empresas: “Elas não têm qualquer margem de manobra perante certo tipo de situações – se tiverem um fornecedor que lhes diz que não paga não podem fazer nada! Se houvesse um sistema de justiça célere, o caso resolver-se-ia em um ou dois anos. Em Portugal estes processos podem levar cinco, sete, dez anos. Entretanto já a empresa abriu falência e ninguém é responsável por nada.” Reconhecendo que o facto também prejudica as grandes empresas, sublinha que estas detêm uma margem de negociação muito maior. Em conclusão e em jeito de alerta, Ana Bela Pereira da Silva afirma: “O sistema judicial português está a matar as pequenas empresas!”

Texto Ana Catarina Pereira

Fotografia José Miguel Soares

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