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Viciados em Sexo

 Vasco Catarino Soares é psicoterapeuta, professor universitário e director da clínica Insight, em Lisboa. Sem tabus, afirma que o sexo é uma função biológica natural, quase tão importante como comer e dormir. Assim sendo, a partir de que momento se passa a barreira da patologia? O que define um viciado em sexo?

 

 Na opinião de Vasco Catarino Soares é importante distinguir claramente “sexo” e “sexualidade”, sendo que o primeiro se reduz a uma função biológica, enquanto a segunda se desloca para um plano de apropriação mental: “A mente é a maior zona erógena do ser humano. O que começa por ser biológico vai sendo transformado em produtos mentais ou psicológicos - imagens, crenças e fantasias, que passam a determinar a sexualidade dos indivíduos. O carácter biológico é ultrapassado, o que explica a forma pouco saudável como muitos humanos exprimem a sua sexualidade, com desvios como a pedofilia, a violência sexual, o sadismo… Se estivéssemos no plano do puramente biológico nada disto existiria.”

 Na opinião do especialista, a mesma mente que, em perfeitas condições emocionais, cria uma sexualidade equilibrada e saudável, pode também desenvolver uma sexualidade distorcida. Este último caso verifica-se quando a pessoa é submetida a uma experiência de vida pouco saudável, como ser privada de afecto, vítima de violência física ou verbal. Como consequência, passa a associar prazer sexual às experiências menos saudáveis a que esteve sujeita, chegando a assumir uma atitude violenta e de desprezo pelo parceiro sexual, bem como por todos os que a rodeiam. É desta forma que a vida sexual e privada de cada um começa a afectar a vida social.

 Mas existem ainda outros casos que apontam para uma vivência deturpada da sexualidade, enunciados pelo psicoterapeuta: “Alguns indivíduos desenvolvem distorções do prazer, com posicionamento de desequilíbrio na relação. Em alguns casos, eles são o poder que subjuga o parceiro (o que acontece no sadismo e na pedofilia). Noutros, são os agradecidos, os subjugados, masoquistas e dominados.”

Defendendo que nenhum destes comportamentos é desejável, Vasco Catarino Soares sublinha que uma sexualidade saudável deve ser equilibrada. Para que ambos os parceiros se encontrem no mesmo nível de respeito, e com o mesmo direito a buscar prazer na relação, não devem existir subjugados nem subjugadores. Ainda assim, como relembra, existem alguns defensores deste último tipo de relações, que as consideram “normais” na vivência de uma sexualidade livre e aberta. Sobre este ponto de vista, o psicoterapeuta adopta uma postura cuidadosa: “Admitindo que apenas representam um papel e que não extravasam para a violência real, ainda que fujam ao que consideramos uma sexualidade saudável também não os colocaria no plano da patologia grave.”

 

A definição científica

 Em que se traduzem, então, os casos mais graves? Para Vasco Catarino Soares, os viciados em sexo são pessoas que procuram o orgasmo no relacionamento sexual exagerado (em termos de frequência e variabilidade): “Trata-se de um comportamento impulsivo para compensar um ‘vazio’ emocional.” Na opinião do especialista, estas pessoas não têm confiança em si próprias, mesmo que aparentem o contrário, e procuram no sexo uma compensação afectiva da qual sentem falta. “As pessoas inseguras não acreditam verdadeiramente que os outros as aceitem ou possam gostar delas, porque se sentem menos capazes emocionalmente. Assim sendo, procuram esta aceitação no acto sexual, porque é o acto com a conotação de maior intimidade e aceitação possíveis.” Em contrapartida, o especialista sublinha que o comportamento sexual desprovido de afectividade, o “sexo puro e duro”, não retribuiu o amor que estas pessoas gostariam de sentir, pelo que continuarão a buscá-lo infinitamente em cada novo relacionamento. Por sua vez, a frequência de novas relações irá aumentar sempre que não se sentirem emocionalmente compensados.

 Um dos principais sintomas da patologia é precisamente o sentimento de insatisfação que fica após as relações sexuais: “É um sentimento de vazio, como se faltasse algo; um sentimento vago que os indivíduos não conseguem situar, levando à ideia de que só se vão realizar tendo mais relações sexuais.” Assim sendo, Vasco Catarino Soares afirma que os viciados em sexo não desejam, de forma alguma, iniciar um relacionamento mais sério com outra pessoa. A necessidade premente de ter relações sexuais, com um número diversificado de parceiros, é uma das definições da patologia.

 Relativamente à protecção contra doenças sexualmente transmissíveis, o psicoterapeuta afirma que a inconsciência é um traço comum a muitos dos viciados em sexo. Apesar de alguns se encontrarem conscientes do risco e de tomarem as devidas medidas preventivas, outros ainda se encontram pouco informados. Para além disso, também existem viciados perversos que, no dizer do especialista, estão infectados e desejosos de se vingar infectando os outros. O traço comum a todos é o facto de terem o sexo como primeira prioridade, pelo que, quando não tiverem meios de protecção disponíveis, não deixam de ter a relação por causa disso.

 Existindo diversos factores que podem conduzir à vivência da sexualidade de uma forma distorcida, o psicoterapeuta considera que os primeiros anos de vida explicam, na maioria dos casos, o desenvolvimento de uma patologia. Por tradição, e em particular nas culturas latinas, transmite-se aos rapazes a ideia de que muito sexo é sinónimo de masculinidade o que, na opinião do especialista, é um erro crasso: “Os conteúdos sobre sexualidade podem ser chocantes para uma criança, e uma grande exposição a estes pode causar recusa. Em última instância, caso a criança tenha sido vítima de abusos, teremos uma sexualidade perturbada por uma recuperação de fantasmas agressivos, repetindo comportamentos sexuais que fizeram parte desse desenvolvimento distorcido.”

 No dia-a-dia de um adulto, o vício sexual tem consequências notórias, pelo consecutivo consumo de energia e cansaço: “Passar grande parte do tempo a angariar parceiros e a lidar com as eventuais recusas exige desgaste físico e mental. Isto interfere tanto na vida pessoal como profissional, porque pode criar problemas com colegas que se tentam seduzir, ou porque se deixa de ser produtivo no trabalho.”

 

O processo de cura

 A cura para este tipo de patologia é feita através de um tratamento psicoterapêutico, centrado na exploração das falsas construções de sexualidade e na realização pessoal. Segundo Vasco Catarino Soares, a psicoterapia possibilita a construção mais saudável de uma nova sexualidade. O seu início e desenvolvimento não são, no entanto, fáceis, uma vez que os viciados em sexo raramente procuram ajuda.  Tal acontece, defende o especialista, porque a sociedade continua a valorizar este tipo de comportamentos no sexo masculino: “É um falso mito social que dá valor, em surdina, ao homem que tem muitas relações. Quanto à mulher, é o oposto: muitos relacionamentos levam à difamação social, que actualmente também se faz em surdina.” Na sua opinião, esta postura é altamente contraditória: “Por um lado, criticam-se os comportamentos sexuais exagerados. Por outro, reconhece-se estatuto aos homens que têm este tipo de comportamento. Para além disso, reconhece-se e reclama-se um papel mais participativo da mulher na sexualidade, mas depois critica-se essa mesma participação.”

 Desta vez, também a sociologia comprova o estereótipo: segundo as estatísticas, o vício sexual é mais comum nos homens do que nas mulheres, e tem o nome de satiríase. Mas, apesar de se encontrarem em número inferior, também existem mulheres viciadas em sexo – as ninfomaníacas: “Admito que o número possa vir a aumentar, pois existe a tal desculpabilização da sexualidade feminina, que pode abrir portas para as compensações, recorrendo a este tipo de comportamento. Uma porta que estava muito fechada às mulheres abre-se agora, e assim teremos um aumento de casos femininos de vício sexual. Há relatos de pacientes com frequência de 40 relações sexuais num dia.”

 

O tabu familiar

 Na opinião do especialista, a falta de acompanhamento familiar na vivência da sexualidade pode levar a um conceito errado da mesma. Nestes casos, a procura de informação é normalmente realizada através de meandros ocultos, como a pornografia. Para além disso, o tabu familiar poder transmitir a ideia de que a sexualidade é algo “sujo” e a esconder: “A família tem um papel importante na educação dos seus filhos, pelo que deveria ser aqui que a sexualidade devia ser falada”, sublinha o psicoterapeuta.

 Em Portugal, Vasco Catarino Soares reconhece uma cada vez maior abertura para a temática, que contraria a falta de informação de outrora. Com algumas reticências em assumir o fim do tabu, o psicoterapeuta considera que, actualmente, se oscila entre uma posição conservadora, que defende ser melhor não falar de sexualidade, e uma posição de grande abertura que, ao querer falar tão abertamente, desenvolve falsas ideias de liberdade sexual: “Em ambos os casos são colocados entraves e dificuldades a um esclarecimento eficaz do que é uma sexualidade saudável. O maior problema é o da redução da sexualidade a uma expressão nua e crua de sexo. A sexualidade necessita de algum espaço para a intimidade partilhada. Caso contrário, corre o risco de não passar de um acto mecânico.”

 Na sua opinião, o facto de existir mais informação não significa que esta seja de qualidade: “Diríamos que o tabu do silêncio quase terminou, mas que, entretanto, a dita abertura (aliada à desinformação) criou novos tabus ou, no mínimo, falsos mitos. Se, por um lado, se fala mais abertamente de sexo e sexualidade, por outro podemos dizer que a desinformação gerada semeia novas ideias (algumas erradas) sobre o que é a sexualidade. Como estas ideias se incorporam no mundo fantasmático (fantasias, mitos, crenças) dos indivíduos, elas passam para o plano do ‘não falado’, criando novos tabus.” Para Vasco Catarino Soares, esta abertura é um fenómeno recente, não efectuando nenhuma distinção entre o que aconteceu em Portugal e noutros países: “Em termos gerais, os efeitos da abertura das sociedades à democracia e do aparecimento de estudos sobre sexualidade, começaram a sentir-se nas gerações que não se formaram no anterior sistema social, como as dos anos 60 e 70.”

 Na opinião do psicoterapeuta, a sexualidade ocupa um lugar de destaque na economia mental, enquanto força determinante do comportamento dos seres humanos. Partindo deste princípio, considera que existe uma ligação entre a abertura ao tema da sexualidade e o novo papel da mulher no seio da sociedade. Para Vasco Catarino Soares, foi importante que, nos anos 60 e 70, se começasse a divulgar que a mulher, quando liberta dos mitos da culpabilidade, sente prazer e é activa na relação sexual, ao contrário do que acontecia anteriormente, em que o sexo era encarado como uma simples forma de procriação.

Entrevista ao Dr. Vasco Catarina Soares

 

Considera que a sexualidade já deixou de ser um tabu em Portugal?

 Podemos dizer que há uma maior abertura para falar de sexo. Já não existe a falta de informação de outrora. E neste sentido temos que admitir que existe uma maior proximidade que nos levaria à afirmação do fim do tabu. Todavia, o facto de existir mais informação não implica que exista informação de qualidade. Muita da informação que circula não é correcta, contendo ela novos tabus. Diríamos que o tabu do silêncio quase terminou, mas que, entretanto, a dita abertura (aliada à desinformação) criou novos tabus, no mínimo, falsos mitos.

 Se por um lado não podemos falar de tabu, dado se falar mais abertamente de sexualidade e sexo, por outro podemos dizer que a desinformação gerada semeia novas ideias (algumas erradas) sobre o que é sexualidade. Verificando-se que essas ideias se incorporam no mundo fantasmático (fantasias, mitos, crenças) dos indivíduo(a)s elas passam para o plano do “não falado”. Por outras palavras, o tabu.

 

A partir de que momento se registou uma maior abertura para a temática?

 Talvez não há muito tempo (e aqui não faço distinções entre o nosso país e outros). Nas gerações mais novas nota-se esse maior à vontade para falar da temática. A maior democratização das sociedades, a par de descobertas científicas no domínio da sexualidade (atenção que mesmo neste campo coabitam alguns novos mitos acerca da sexualidade), permitiu que se falasse mais abertamente, embora isto não signifique que se fale correctamente sobre o tema ou que as pessoas estejam mais esclarecidas.

 Mas em termos gerais, os efeitos da abertura à democracia das sociedades e do advento dos estudos sobre sexualidade, começaram a sentir-se nas geração que não se formaram (aculturaram) no anterior sistema social. Concretamente, falaremos (admitindo excepções) das gerações de 60/70 (adiante). E alguns sectores mais esclarecidos da sociedade anteriores a estas gerações.

 Todavia, saliento que actualmente coabitam as mentalidades mais abertas (e nestas podem existir novos tabus de excessiva desmistificação da sexualidade) e as mais fechadas, de gerações anteriores, onde os tabus são de ordem diferente: o silêncio acerca da sexualidade e mitos de culpabilização.

 

 

Considera que a, esta mudança, terá correspondido uma alteração no papel activo da mulher na sociedade?

 Considerando que a sexualidade - ou a anulação da mesma (como aparentemente ocorria no passado) - ocupa um lugar de destaque na economia mental e como força determinante do comportamento dos seres humanos, podemos estabelecer um ponto de ligação entre o facto de se ter verificado uma abertura ao nível da sexualidade e do novo papel da mulher no seio da sociedade. Tendo as novas descobertas sobre sexualidade desvendado que a mulher teria um papel muito mais activo a nível da sexualidade do que se acreditava (passou a divulgar-se que a mulher sentiria prazer e era activa na relação sexual quando liberta de mitos de culpabilidade, ao contrário do que acontecia anteriormente: procriação) é natural que a assimilação deste carácter mais activo e participativo empurrasse a mulher para desempenhos sociais também eles mais participativos. Dando assim inicio a um ciclo de influência mutua entre estas duas variáveis.

 

Quais os maiores preconceitos ou dificuldades com que ainda se debate quando tenta abordar a temática?

 

 Actualmente, oscila-se entre posição conservadora, que defende ser melhor não falar de sexualidade, e posição de grande abertura, que ao querer falar abertamente cria falsas ideias de liberdade sexual. Em ambos os casos são colocados entraves e dificuldades a um esclarecimento eficaz do que é uma sexualidade saudável. O maior problema é o da redução da sexualidade a uma expressão nua e crua de sexo. A sexualidade necessita de algum espaço para a intimidade partilhada, correndo o risco de ser uma acto mecânico sem esta.

“A sexualidade é uma função biológica natural, tão importante como comer e dormir”. É uma ideia sua que gostaria que desenvolvesse.

 O sexo (note-se que não falo de sexualidade) é uma função biológica natural importante. Como comer ou dormir? Não as colocaria num mesmo nível. Próximo sim. Mas note-se que se consegue viver mais tempo sem sexo do que sem comer ou dormir.

 Todavia, não me parece que a questão se encerre sob este particular ponto. Se por um lado, o sexo é função biológica, já a sexualidade não se esgota neste carácter fisiológico e desloca-se mais para um plano de apropriação mental. Ou seja, o que começa por ser biológico vai sendo transformado em produtos mentais, psicológicos (imagens, crenças, fantasias) e passam a ser estas a determinar a sexualidade dos indivíduos. O carácter biológico fica assim ultrapassado, o que explica a forma pouco saudável como alguns (muitos) humanos exprimem a sua sexualidade (lembro todos os desvios como pedofilia, violência sexual, sadismo…). Se estivéssemos no plano do puramente biológico nada disto existiria. A mesma mente (pessoa) que pode criar uma sexualidade equilibrada e saudável (em condições emocionais óptimas), quando submetida a experiencia de vida pouco saudável, com privação de afecto ou vítima de violência física e/ou verbal, pode criar produtos de sexualidade distorcidos, associando prazer sexual a estas experiências menos saudáveis a que esteve sujeito, exibindo comportamento de violência e desprezo pelos parceiros de relação sexual e atitude idêntica para com todos os níveis de relação. Outros indivíduos desenvolvem distorções de prazer (a sua sexualidade) com posicionamento de desequilíbrio na relação. Em alguns casos, eles são o poder que subjuga o parceiro (sadismo, pedofilia). Noutros, são os agradecidos subjugados (masoquistas, dominados).

 Ora a sexualidade saudável deve ser equilibrada, no sentido em que ambos os parceiros de relação tem o mesmo nível de respeito e posições iguais (seres com o mesmo direito a buscar prazer na relação). Não devem existir subjugados nem subjugadores. Existem, todavia, defensores deste tipo de relações e que as colocam como mais uma forma “normal” de expressão sexual. Admitindo que apenas representam um papel e que não extravasam para a violência real (ainda que seja reflexo de crenças e fantasmas sexuais, fugindo ao que consideraríamos uma sexualidade saudável), também não os colocaríamos no plano de patologia grave.

 Concluindo, a sexualidade, pelo papel nuclear que tem na expressão de vida do indivíduos (em todos os planos de vida: relações de amizade, trabalho, criatividade, relacionamento intimo), não se cinge à esfera do biológico. Ela cresce a partir do biológico para se ir mentalizado e tornar-se psiché (ideias, fantasias, crenças). A mente é a maior zona erógena do ser humano.

 

 

A sexualidade é uma fonte de grande prazer ou preocupação na vida de muitos adultos. O que pode causar o segundo caso?

 Um desenvolvimento desde a infância baseado em padrões de relacionamento (família, amizade, íntimo) distorcidos, assentes na desigualdade de direito de expressão afectiva. A forma muitas vezes errada como a sexualidade e vivida pela família (o modo como se falam destas questões, a ideia errada que existem nas culturas latinas de que [em particular para os homens] muito sexo é sinónimo de masculinidade). Os modos muito severos e muito permissivos como se educam as crianças e jovens, que produzem indivíduos com baixa autoestima, podem, associados a uma cultura de promoção do sexo (o marketing moderno apela ao sexo), levar a esta maior preocupação, em particular nos indivíduos que, de algum modo, não conseguem expressar a sua sexualidade.

 

 

Sendo esta entrevista publicada na revista Nós, que será dedicada ao tema Tarados, como se define cientificamente um viciado em sexo? Quais os principais sintomas e traços?

 Os Viciados em Sexo procuram no relacionamento sexual exagerado (frequência e variabilidade) o orgasmo. Não nos podemos esquecer que se trata de uma compulsão (um comportamento impulsivo para compensar um “vazio” emocional). Ao praticar sexo estas pessoas procuram uma compensação em termos emocionais, que na realidade (de um modo inconsciente) sentem não ter.

 Por outras palavras podemos afirmar que se tratam de pessoas inseguras (mesmo que aparentem ser confiantes). As pessoas inseguras não acreditam verdadeiramente que os outros os aceitem ou possam gostar deles, porque se sentem menos capazes emocionalmente. Assim sendo o mais próximo que estão desta aceitação (e o seu comportamento vai no sentido de sentir que são gostados) é o comportamento sexual porque é um acto com a conotação de maior intimidade e aceitação possiveis. Assim, procuram neste comportamento este amor que não sentem ter verdadeiramente. No entanto, o comportamento sexual desprovido de afectividade não lhes dá o afecto que gostariam de sentir e assim continuam a procura-lo em cada novo relacionamento (que aumenta de frequência tanto mais quanto menos se sentem compensados).

 Mas paradoxalmente também não desejam ficar comprometidos com ninguém.

Como sintomas salientaria, uma necessidade premente de ter relacionamentos sexuais, com um número diversificado de parceiro(a)s. Necessidade, que ocupa grande espaço mental e tempo real dos indivíduo(a)s. Por último, mas não menos importante, a insatisfação que fica após as relações sexuais: sentimento de vazio, de que falta algo… Sentimento vago, que os indivíduos não conseguem situar, levando à ideia (necessidade) de que só se vão realizar tendo mais relações sexuais.

 

 

Em todos os casos, o/a doente é sempre uma pessoas segura de si, com elevada auto-estima e cuidadosa com a imagem?

 Como referi anteriormente, não se tratam de indivíduos verdadeiramente seguros de si. Embora aparentem segurança (pois conhecem muitos parceiros e são bons conversadores e sedutores), na realidade são pessoas tendencialmente inseguras – não no plano do estar com os outros – mas no plano do seu íntimo, do valor que realmente acreditam ter. Perante esta insegurança exibem comportamento (e inclusive crenças acerca de si) de pessoa muito segura. Tratam-se de “mecanismos de defesa” (logo inconscientes, O próprio não se apercebe deles e do seu uso), que empurram os indivíduos para comportamentos opostos, neste caso comportamentos de grande segurança, podendo em alguns extremos atingir a arrogância.

 

Que tipo de discurso profere um viciado em sexo quando inicia uma abordagem?

 Os discursos podem ser os mais variados. Mas vão todos no sentido de demonstrar uma grande confiança e segurança em si. São discursos que têm uma componente divertida e com algum mistério (precisamente o plano que possibilita a criação de fantasias que correspondam às do abordado).

 

 

Como se processa a cura deste tipo de patologia?

 Procedimento psicoterapêutico, que visa a exploração das falsas construções de sexualidade e realização pessoal, possibilitando ao indivíduo a construção, agora mais saudável, de uma nova sexualidade. De realização difícil, pois não são indivíduos que procurem facilmente ajuda terapêutica.  O que leva a que assim seja? Uma sociedade que de certo modo valoriza este tipo de comportamento. Falso mito social que dá valor (em surdina) ao homem que tem muitas relações. Quanto à mulher é o oposto: muitos relacionamento leva à difamação social (actualmente em surdina). Reparemos nas contradições: 1º Por um lado, criticam-se os comportamentos sexuais exagerados em termos gerais. Por outro, reconhece-se estatuto aos homens (ainda que de modo não público) que têm este tipo de comportamento. 2º Reconhece-se e reclama-se um papel mais participativo da mulher na sexualidade, E depois critica-se essa mesma participação. Como se pode observar, continuam a existir algumas contradições no que toca a sexualidade.

 

Trata-se de uma doença tipicamente masculina?

 Em termos estatísticos observa-se mais em homens e tem o nome de satiríase. Em grande parte por questões culturais, pois a nossa sociedade e mecanismos de marketing usam o sexo, como forma de afirmação da masculinidade.

 Todavia, também existem mulheres que são viciadas em sexo (ninfomania). Embora, em número inferior (actualmente). Admito que número possa vir a aumentar, pois existe a já referida desculpabilização da sexualidade feminina, que pode abrir portas para as compensações, recorrendo a este tipo de comportamento. Teorizo a hipótese de a sociedade “possibilitar” formas de expressão dos modos de desorganização mental dos indivíduos. E está é uma forma actual que se põe ao dispor dos indivíduos. Deste modo, uma porta que estava muito fechada às mulheres abre-se agora (devido aos factores já mencionados) e assim, teremos um aumento de casos femininos de vício sexual. Há relatos de pacientes com frequências de 40 relações sexuais num dia.

 

 

Este tipo de patologia pode ser desenvolvido por, na infância, se ter vivido este tema como um completo tabu ou, pelo contrário, por se ter estado demasiado exposto a ele?

 Penso que já está respondido na questão 6. As duas hipóteses que colocam são válidas e podem muito bem ser origem de casos patológicos.

 No primeiro caso, o completo tabu, pode levar a que o indivíduo vá adquirindo um conceito de sexualidade completamente errado (pois não tem qualquer tipo de acompanhamento). Existindo completo tabu na família, as aquisições de informação que sobre o tema são obtidas em meandros ocultos (pornografia, que veicula conteúdos muitas vezes agressivos e distorcidos), acrescido a isto está o facto de o tabu familiar poder transmitir a ideia que a sexualidade é algo “sujo” e a esconder. Se existem padrões de afectividade/emoção perturbados na família (família pouco afectiva, que não valoriza os seus membros), são mais umas variáveis que vão contribuir para que no futuro tenhamos casos de patologia da sexualidade. Mas também, devo salientar que mesmo com estas condições podem existir indivíduos que não se desenvolvam a níveis de patologia de vício sexual. Com algumas formas não correctas de sexualidade, mas não ao ponto do vício sexual.

 No segundo caso, a exposição demasiada, coloca-nos perante a situação de essa exposição ser ela perturbada (muita exposição a uma sexualidade distorcida, perturbada). Os conteúdos sobre sexualidade podem ser chocantes para uma criança, pelo que a sua exposição demasiada também causa recusa. Nestes casos, teremos sexualidade perturbada, pela recusa (primeiro) e por recuperação de fantasmas agressivos (caso tenha sido vítima de abusos), repetindo comportamentos sexuais que fizeram parte desse seu desenvolvimento distorcido. A situação aqui é idêntica ao referido na anterior. Os indivíduo(a)s que foram submetidos a essa exposição poderão desenvolver as formas patológicas tanto mais quanto maior foi o nível de conteúdo chocante ou violência.

 

 

Que tipo de consequências esta patologia costuma ter na vida dos doentes?

 Consumo de energia física e mental. Em crescendo até pontos de ruptura. Passar grande parte do tempo a angariar parceiros (exige desgaste físico e mental); lidar com as eventuais recusas; interferência na sua vida profissional (porque pode criar problemas com colegas de trabalho que se tentam seduzir, porque não se é produtivo no trabalho); interferências na sua vida pessoal.

 

 

Os meios de comunicação social, como a Internet, a televisão e/ou as revistas têm impulsionado este tipo de comportamentos?

 Os meios de comunicação divulgam muitos conteúdos de sexo e sexualidade. Colocam à disposição das pessoas muita matéria. Em parte podem contribuir, mas não são suficientes. Esses conteúdos nas mãos de indivíduos perturbados, sim podem ser o pequeno factor que impulsiona ao comportamento. Mas como disse, não serão os meios de comunicação o único responsável.

 A família tem um papel importante na educação dos seus filhos. E é no seio da família que se começa a “educar”. Pelo que deveria ser aqui que a sexualidade devia ser falada. Todavia, a família é composta por pessoas, que na sua grande maioria, também não possui informação correcta acerca da sexualidade. Talvez neste ponto a comunicação social possa ter um papel positivo. O de veicular informação correcta (não distorcida) sobre sexualidade.

 

 

O consumo de pornografia é sinónimo de vício em sexo?

 A pornografia veicula conteúdo sexual com carácter perverso. Nela a sexualidade é distorcida, pois explora a subjugação e dominação de uns para com os outros.

O erotismo é uma outra categoria, que já pode não conter este carácter perverso, mantendo e visando a criação de fantasias.

 A exposição à pornografia não implica o vício sexual. Todavia, o vício sexual alimenta-se da pornografia. Se estamos a falar de pessoa que passam horas e o fazem frequentemente a “visitar” pornografia, então estaremos a falar de viciados.

Mas de qualquer modo, a pornografia não ensina nada de saudável acerca da sexualidade.

 

 

Os viciados em sexo têm, habitualmente, preocupações em termos de contracepção e doenças sexualmente transmissíveis?

 Sendo indivíduos inteligentes e conhecendo os risco de ter relações sem precauções tomarão medidas para evitaras doenças sexualmente transmissíveis. Também, existirão viciados em sexo ignorantes (pouco informados) e nesses casos tomarão poucas precauções. Também existem viciados perversos. Indivíduos que estando infectados, acham que tem que se vingar infectando outros. Todavia, comum a todos os viciados é o facto de quando em necessidade extrema de sexo (uma vez que já referi que se trata de um comportamento compulsivo) este é a primeira prioridade. Significa isto que, não havendo meios de protecção disponíveis eles não vão deixar de ter o comportamento sexual, ficando assim a protecção adiada.

Ana Catarina Pereira

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